Por Amauri Nolasco
Sanches Junior
A muito tempo eu venho ensaiando um texto sobre a saga de
Max Rockatansky e sua redenção como um ser humano e por outro lado, na minha
visão, ele é um anti-herói libertário. Teve pessoas que disseram que ele queria
se redimir de tudo que ele fez nesse último filme “A Estrada da Fúria” (The
Road Fury), mas isso não é verdade, pois, o filme se passa muito provavelmente,
8 ou 7 anos após a morte da sua filha e da sua mulher que dará uma margem entre
o primeiro filme e o segundo. Como eu sei isso? Pelos sonhos que ele tem ao
longo do filme, porém, não há uma contagem exata para sabermos dentro da saga
dos 4 filmes, e então, é só uma hipótese. Também podemos dizer que entre os
filmes há uma margem de 2 a 3 anos dês da morte da sua família, o que mostrara
um mundo cada vez mais anárquico ou com comunidades isoladas de ex-combatentes
ou pessoas civis que viram governantes dessas cidades no deserto.
A saga mostra um mundo pós-guerra nuclear, no segundo filme,
mostra que foi por causa do fim do petróleo e vários recursos foram parando,
hoje sabemos que é uma visão reducionista e limitada, mas na época (meados de
1979) fazia todo o sentido. Afinal, estávamos em uma guerra fria entre URSS e
EUA e apenas um motivo (pelo menos, era esse o medo do mundo todo) nos
levaríamos a uma guerra nuclear de proporções gigantescas. A radioatividade
levaria a um surto de câncer, bebes com mutações genéticas, além claro, de um
inverno nuclear de uns 50 a 60 anos que levariam a seres humanos a morrerem
congelados e reduziria ao máximo a humanidade toda. De alguma maneira isso é
mostrado no filme, pois, a Austrália se reduziu a um território desértico com várias
comunidades isoladas e sem nenhuma comunicação, porém, não se fala aonde ficava
as comunidades que Max frequentava.
Diante desse cenário de um ponto bem amplo há uma ligação
muito forte com a filosofia de Hobbes (1588-1679), onde o povo precisa de um governo
central senão, ele começa a guerrear entre as comunidades, pois, afinal, o
homem é o lobo do homem. Mas gosto da visão do filosofo brasileiro Luiz Felipe
Pondé (1959), tirando toda a tecnologia e toda a comunicação, governos e tudo
isso, voltamos facilmente a era neolítica, porque somos na verdade, símios
brincando de homens civilizados e racionais. É o que vimos dentro do filme, o
homem perde a capacidade de ser um ser humano ético e moral, para dar lugar ao
animal instintivo que só pensa em saciar seus próprios desejos. Ao longo da
saga vimos bandos de homens fazendo crimes com a desculpa (pois há homens e
mulheres que ainda acreditam em um ponto ético e moral), que estão
sobrevivendo, mas não é nada disso que acontece, são apenas liderados por
loucos que combateram essa guerra nuclear insana.
Indo em torno da liderança desses bandos por loucos que
combatem essa guerra adentramos na teoria que os oprimidos quando acenciona no
poder, oprimem. Tanto no terceiro (que é estrelado pela Tina Turner) e o quarto
filme, vimos pessoas que eram cidadãos comuns virarem opressores de suas
comunidades. No terceiro filme, a fundadora é chamada de tia e era apenas uma
cidadã comum (não lembro a profissão) e funda a comunidade dando ao seu povo
energia graças a metano bruto de fezes de suínos. Só que há um porém, tem um
anão e um gigante (que tem deficiência mental) que comanda a usina de força e
para lembrar do seu poder, desliga a força para a “tia” dizer que ele estava no
comando. Há todo uma simbologia dentro disso que remete a teoria da lógica do
oprimido, quando o Master (anão) está com o gigante (Blaster), ele oprime,
quando o gigante Blaster morre, vira o oprimido. Não precisamos se esforçar
para entender a lógica do poder, onde o oprimido quer oprimir e é, indo muito
mais longe, uma natureza do próprio sistema.
Nesse meio todo, existem situações que fazem mostrar a ética
de Max e a sua moral, sendo um bom homem (era policial e motorista), mas ao
mesmo tempo um homem realista que não acredita em nada. Na verdade, toda a
história de Mad Max (Louco Max), gira em torno de uma distopia (muito na moda
no final dos anos 70 e ao longo dos anos 80), e um questionamento do homem bom
de Rousseau, porque Max com tudo que faz, ainda é um homem que salva quem acha
merecedor. A bondade de Max não é uma bondade de um dever, mas uma bondade
voluntaria, é a bondade por pura vontade de ajudar as pessoas. Max é
anarco-libertário, ele não prioriza além daquilo que é importante para si
(tanto, que no segundo filme ele tem um cachorro e salva o garoto no final),
mas não deixa as pessoas sem ajuda e sem uma certa justiça. Tanto que todos que
ele ajuda, ele abandona em sua peregrinação do deserto, no nada, no vazio. Há
uma grande lacuna na vida e nos sentimentos de Max pela perca de quem ele
amava, a perca de uma identidade e um proposito dentro da sua vida, como se o
mundo e sua vida, não tivesse significado algum.
Muitos podem achar que Max é o Ubermech de Nietzsche, mas
não é, pois, não enfrentou aquilo que está em conflito dentro de si mesmo, não
olha aquilo que é moral de cima de uma montanha. Ele via a humanidade como
aqueles que merecem alguma esperança (talvez, Max não tenha perdido
completamente, a esperança de ter humanos bons naquele mundo desértico), e
aqueles que não tinham importância, porque deveriam ser mortos. Aliás, Max não
matava para fazer justiça ou um dever de salvar (o que ainda existe no
Justiceiro e no Wolverine, citando exemplos de anti-heróis), mas mata pelo
instinto de defesa e de defender aquilo que ele acha ser certo. Exemplos
encontramos milhares dentro da saga e que fica evidente que ele realmente, não
quer ser o herói, ele foge do título dês do primeiro filme, como o chefe de
polícia dizer a ele que o povo precisa de um herói.
Mesmo sem ser um super-homem nietzschiano, há uma influência
de Nietzsche dentro da saga, da transvalorização da moral judaico-cristã. Em toda
a saga não há menção de nenhum Deus ou alguma religião, realmente, o Deus cristão
está morto e só dará lugar aos profetas apocalípticos e aos loucos que prevê
ainda mais, a humanidade entrando no caos e na escuridão. Há uma moral
diferente em Max, uma moral que ultrapassa a moral cristã da bondade e maldade,
ele não tem pena ou remorso de ter feito ou fazer o que é preciso. No segundo
filme é bem evidente isso. Há uma comunidade que se reúne em uma bomba de petróleo
e um bando de desordeiros (vamos dizer assim), chega para querer pegar a
gasolina que essa comunidade produz. Ele observou um casal que saiu para pedir
ajuda em algum lugar, esse casal foi atacado e a mulher estuprada e morta, o
sujeito foi gravemente ferido. Max assistiu tudo comendo uma latinha de feijão com
um homem amarrado nas correntes, que mostra um sujeito niilista que tem um
ressentimento, o ressentido clássico. A única atitude é jogar a lata de feijão para
o homem ou cachorro comer o resto, que era a única comida disponível naquela
terra devastada. A frieza de Max é compreensível de tudo que viu e vivenciou
nesses anos de peregrinação no seu Interceptor (que foi destruído no mesmo
filme).
Cada filme da saga é uma realidade que Max vive e cada vez
se torna uma pessoa diferente, ou seja, cada escolha que faz torna a percorrer
um caminho. Mas, Max como todo herói ou anti-herói, foge do seu destino como no
segundo que fez um acordo com o homem ferido de leva-lo de volta e depois,
receber em troca gasolina que puder levar. Mas seu carro é destruído, seu
cachorro é morto, muitas coisas acontecem para um simples homem ser chamado de “guerreiro
das estradas”. Mas a guerra não é com um exército inimigo, a guerra é interna
de um cara que acreditava nas leis e na ética humanas, Max acredita agora nas
leis maquiavélicas que os fins podem sim justificar os meios, que há um egoísmo
necessário para sobreviver e aprender a lutar pelos objetivos como disse a
filosofa Ayn Rand. Ele não acredita mais no poder cínico e controlador, ele
acredita que o que sair bem sobrevive, o que erra vai morrer. Ajuda as
comunidades a serem construídas de forma diferente, sem um poder controlador,
sem nenhum mérito no dinheiro ou nos valores que a humanidade acreditava antes
da guerra nuclear. A saga de Max é uma saga anarquista, uma saga que começa um
mundo diferente e de escolhas diferentes. A humanidade está muito mais
realista, a humanidade está mais carente de outros valores, valores estes
esquecidos pelo progresso cientifico do século dezenove.
A filosofia de Mad Max é a filosofia do que é e não é
normal, a loucura dá lugar ao normal como padrão. Mesmo sendo chamado de louco,
Max é o mais centrado, o sujeito que aparece como estereotipo do herói clássico,
do cara que salva as pessoas. Mesmo sendo louco, mesmo achando que o mundo não vale
a pena, as questões são questões muito mais profunda e tem a ver com ser um
humano, reconhecer seu semelhante. Ele mata o bando que mata seu amigo e sua família,
ele dirige o caminhão para a comunidade, ajuda crianças a voltarem para Sidney
e povoar de novo ali, ele livra uma comunidade de um louco que retém a agua
para si. Tudo isso faz parte do recomeço da humanidade e talvez, a continuação do
progresso humano em um outro rumo, em uma outra escolha e uma outra perspectiva.
A saga de Max é um alerta do rumo que a humanidade se encontra dentro de uma política
errônea, sem um equilíbrio necessário para ser livre verdadeiramente e deixar certas
coisas de lado por causa da sua pequenez. Como diz a música da Tina Turner do
terceiro filme: “Quem precisa de um herói? ”.