sábado, 15 de fevereiro de 2020

A inclusão seletiva e a percepção kantiana



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“Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo.”

(Lucas 14:26)

A muito tempo uma questão vem causando em mim um certo incomodo que é a inclusão seletiva. Mas o que é seletivo? Só darmos uma “googada” vamos ver que o termo seletivo seria aquilo que fazemos como seleção, ou seja, selecionamos algumas coisas para acabarmos defendendo aquela posição. Também, podemos chamar de escolhas seletivas, escolhas que fazemos de modo mais atento e de forma mais cuidada. Por outro lado, se diz que é também um processo ou um agente que pode afetar alguma coisa e não, outras coisas. Não há nada de errado você ser seletivo em algumas questões. Eu, por exemplo, tenho seletividade musical, posso ouvir outros gêneros, mas, eu escolhi rock porque é o gênero que me identifico. Ser eclético acaba sendo aquilo que chamamos, de pessoas que querem agradar todo mundo para não serem rejeitado na “turminha”.

Porém, há um outro problema nessa questão da seletividade: ao mesmo tempo uma seletividade é subjetiva – vou tocar no assunto logo – ela também pode influenciada por causa do meio. Grosso modo, a seletividade pode ser um processo que afeta uma coisa (podemos colocar como uma decisão) e não afeta outras, como foi dito já. Podemos defender aquilo ou alguém que temos uma afetividade mais ligada e não defender aquilo que não somos. Isso, queiramos ou não, cria um conflito com o significado de inclusão. Inclusão, de um modo geral, é o ato de incluir e acrescentar e assim, adicionar coisas ou pessoas em grupos e nucleão que antes não faziam parte. Ou seja, socialmente, a inclusão pode representar um ato de igualdade entre os diferentes indivíduos que estão em uma determinada sociedade. Fazendo assim, que a ação de incluir pode permitir que todos os indivíduos tenham o direito de serem integrados a participar das várias dimensões do seu ambiente, sem sofrer qualquer tipo de discriminação e preconceito. De um modo geral, você não pode selecionar o que quer incluir ou a quem exigir o respeito.

O que eu ouço quando converso com amigos é que temos que ter paciência, temos que transcender os degraus e ter aquilo como uma vitória. Outro dia, um amigo de muito tempo, chegou a me dizer que se eu quisesse voltar com a minha ex-noiva, eu tinha que aceitar as humilhações da família dela. Ora, se queremos que o padeiro nos respeite e que acessibilize a padaria, temos que começar dentro da nossa própria casa. Se queremos que nossas reivindicações tenham efeito na esfera política, temos que fazer reivindicações na esfera familiar. Existe muitas pessoas que são dependentes? Muitas pessoas são dependentes e a própria família, como modo de dominação já que eles não dominam os que andam, aproveitam dessa dependência. As mulheres com deficiência são as que mais sofrem nesse processo, porque estamos numa cultura machista onde as mulheres devem ser repreendidas e sufocadas em sua vontade. Além do mais, mulheres com deficiência são mais vulneráveis, sejam fisicamente, seja afetivamente. A chantagem emocional é muito mais eficaz.

Daí entra na questão da subjetividade. O filosofo Immanuel Kant (1724 – 1804), dizia que existe 3 faculdades: a primeira é a faculdade de conhecer (ciência), que seria a objetiva e universal; a segunda é a faculdade de apetecer (ética), que também seria uma faculdade objetiva e universal e a terceira, que é a faculdade de julgar (estética), que é a faculdade subjetiva e universal. Podemos dizer que a primeira (conhecer/ciência) é a faculdade que gera a razão e é limitada pela a representação – na filosofia (no qual, Kant se refere) a representação seria uma entidade que está por outra entidade, ou seja, uma coisa que esta por outra coisa. Ora, o modo de ser da representação é “estar por” que significa, quando há representação, há uma coisa, o “representante”, que esta por outra coisa, o “representado. Sendo que a representação, seria uma relação entre o representante e o representado. Na segunda, a razão é determinada por parâmetros da ação, já que é incondicionada, ou seja, não depende de nenhuma experiencia. Na terceira e última, podemos dizer que a subjetividade percebe (assim juntando as duas e as unem) a beleza na obra humana. A questão subjetiva de Kant, é o sentimento de prazer e desprazer que podemos exprimir juízos de gostos e a reflexão das nossas faculdades, na mesma ordem que ordenou Kant.

O que Kant fez foi distinguir a coisa em si (noúmenos) e a aparição (fenômeno).  Pois, esta distinção pode evidenciar que o homem só pode ser possível conhecer aquilo que aparece na mente, jamais em si mesma (seja por ideias inatas, seja pela ideia como cópia exata da sensação). Ora, o fenômeno é uma representação que esse sujeito sofre quando algo te modifica. Não posso conhecer aquilo que me afeta, mas, apenas sei que sou afetado por aquilo no qual posso criar uma imagem. Isso implica em vários desdobramentos.

No primeiro momento, o ânimo percebe algo das sensações porque temos muitas formas próprias para essa percepção. A nossa sensação – que Kant chama de intuição – vai ser determinada a priori (sem a experiência) pelas formas da nossa sensibilidade que estão no nosso espaço e o tempo. Podemos observar, que esse espaço e o tempo não são mais qualidades inerentes aos objetos e sim as condições anteriores a essa experiencia que possibilitam que estas ocorram. Trocando em miúdos, para Kant a nossa mente não é uma cera passiva que é moldada, como pensava o filosofo inglês John Locke (1632 – 1704), ela (a mente) é capaz de organizar o material que recebe da sensação segundo as formas do espaço e do tempo.

No segundo momento, o animo ordena e classifica coisas segundo uma serie de categorias que não são intuídas, mas deduzidas do intelecto. A ciência (conhecimento) do intelecto em geral é a lógica. A logica transcendental é a doutrina que estuda a origem dos conceitos e se ocupa especificamente dos conceitos a priori que se referem aos objetos que, nesse caso, não são mais meramente dados e sim pensados. Somente a sensibilidade é intuitiva. O intelecto é discursivo e por isso seus conceitos são funções que unificam, ordenam, sintetizam o múltiplo dado em uma intuição, em uma representação comum: isso significa pensar, e pensar é fazer julgamento, assim sendo, pois, o intelecto, a faculdade de julgar (que não é a razão). Porém, a grande sacada de Kant está na questão que o fundamento desse objeto – que podemos chamar de fenômeno – está no próprio sujeito, ou seja, a unidade do objeto na experiencia (intuição perceptiva) está construída dentro de cada um, por que? Porque há uma unidade sintética (uma unidade) do sujeito pensante.

Por que disse tudo isso? Porque a base do pensamento moderno e pós-moderno em muitas aéreas, principalmente, jurídica, é kantiana. Porque, o próprio Kant, vai dizer que a educação vem de berço e então, se temos uma sociedade que discrimina, que enxerga as pessoas com deficiência como pessoas doentes e incapacitada, é culpa da educação familiar que não educou para incluir certos nichos. Na questão das faculdades da mente, ficou bastante claro que temos que conhecer (temos a ciência da questão) assim, seremos mais objetivos, sempre apetecer (tendo ética) e fazer julgamentos mais justos. Aí entra a questão da subjetividade, pois, o julgamento subjetivo tem a ver com o estético, ou seja, aquilo que te dará prazer e o que não te dará prazer. Um familiar ou um amigo te dará prazer porque você conhece, um desconhecido não te dará prazer porque você não lhe conhece. Por exemplo, é mais fácil você exigir do padeiro uma padaria mais acessível do que um familiar ou um amigo. Uma CEO de uma dessas consultorias que dizem empregar pessoas com deficiência, que é cadeirante, preferiu comer num restaurante inacessível porque estava com amigos e não queria dispensar o jantar. Ora, ela preferiu sentir o desconforto de comer de mal jeito, sem opções do que contrariar os amigos ou parecer a “bonitinha”. Ela fez um julgamento subjetivo muito mais sentimental do que racional – mesmo o porquê, esse tipo de paladino da inclusão vive desse jeito – porque poderia ter desmarcado e comido em um outro mais acessível.

Uma outra coisa no juízo estético, é a questão do apego. O versículo que postei no começo, tem a ver com se apegar ao que você não pode ter como seu. Você não pode controlar o sofrimento de qualquer ser humano. Você não pode controlar o amor de ninguém e não pode achar, que os exemplos que a vida te mostrou, são leis universais. Uma mãe de uma pessoa com deficiência não pode proibir um amor só porque acha que sua filha ou seu filho, vai sofrer porque vai sofrer de qualquer maneira. A maioria dos suicídios ou tentativas de suicídios das pessoas com deficiência, são relacionadas com a culpa que a própria família alimenta com a visão que as pessoas com deficiência não podem se defender. Porque há um julgamento estético que se aprendeu a muitos milênios, que pessoas com deficiência não eram viáveis em uma sociedade, pois, iriam sofrer, não iriam produzir e não podiam se reproduzir. Com o avanço tecnológico, podemos ter cadeiras de rodas ou outros aparelhos muito melhores, se sabe que nós temos sentimentos, se sabe que podemos sim reproduzir e trabalhar. Porém, se continua o apego, se continua a inclusão seletiva e se continua a questão que, para alguns valem para outros não.

Amauri Nolasco Sanches Junior
Publicitário, técnico de informática e filósofo


#bolsonaro

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