
Por Amauri Nolasco
Sanches Junior
Neste sábado (7), eu e minha noiva, fomos ver o filme O
Extraordinário do livro homônimo escrito por Raquel Jaramillo com o pseudônimo,
R. J. Palacio. O livro foi publicado em
14 de novembro do ano de 2012 que conta a história do menino, Auggie Pulman,
que sofre de uma síndrome chamada de Treacher Collins, que causa deformação
facial. Diz a história, contada pela própria escritora, que ela e o filho
estavam numa fila de sorveteria, com apenas três anos de idade na ocasião, e
então, o menino viu uma menina com deformidade facial e começou a chorar. Para
não dar aborrecimento para a menina e sua família, Palacio se afastou com o filho
dela que piorou a situação. Após ouvir uma música chamada “Wonder” de Natalie
Merchant, se deu conta que esse incidente lhe mostrou algo importante e queria
mostrar isso para a sociedade, assim, começou a escrever o livro que leva o
mesmo nome da canção. O refrão da música é usado no prologo do livro.
Na verdade, o livro chama “Wonder” por causa da música que a
escritora ouviu – que tem a ver, mais ou menos, com a história – e que quer
dizer, “maravilha”. Talvez, por marketing, ou por erros que estamos acostumados
nas traduções nacionais, se traduziu como “O Extraordinário”. Diferença de
linguagem, não tem. Diferença de expressão, não se tem. O fato de ter mudado o
nome, não fez diferença, porém, é um fato inexplicável que não houve, pelo
menos para mim, nenhuma resolução sobre o fato. A questão de linguagem e
fonética, não tem explicação também, porque o menino poderia muito bem ser
chamado de “maravilha”, que para mim, pelo menos, soa como um preconceito da
nossa própria sociedade em achar que ser chamado de maravilha, pode eventualmente,
ser chamado o garoto de homossexual ou, até mesmo, ter algo a ver com a
Mulher-Maravilha. Já se começa pelo próprio nome.
Quando começamos a ver o filme ou ler o livro, sempre
lembramos de algum fato da nossa tenra infância. Por que? Porque a história de
Auggie (ou August) tem a ver com a história de todos nós, pessoas com
deficiência. As pessoas com deficiência ou má formação – que é o caso do
personagem – se sentem rejeitadas pela sociedade, que não aceita, a aparência
diferente. Mas o fato é um só, somos pessoas diferentes, mas, antes de tudo,
somos da espécie homo sapiens. Auggie não queria provar que poderia, ele e a
mãe sabia que ele podia, mas ele queria apenas, estudar e ter uma vida social. Só
isso. A mãe incentivou. O pai acabou incentivando. A questão é: a normalidade
como visão predominante, pode ser um obstáculo? Se deixarmos, sim, pode ser. Se
não deixarmos, não, não atrapalha. Eu sempre digo que a deficiência não
atrapalha a vida, só nos dará muito mais desafios. No meu livro Clube de Rodasde Aço – Tratado sobre o Capacitismo (Clube de Autores) – que foi acusado de
não ser acadêmico – eu escrevi que existem muitas linguagens que vieram a
colaborar com o capacitismo, uma delas, é a medicalização. O discurso aceito
socialmente, é o discurso que os médicos impõem como verdade absoluta. Só, que
acontece, que como todos nós, o médico é humano. Não são deuses. Não são mais
evoluídos do que outros seres humanos.
O erro médico é achar que somos seres dependentes pelo resto
da vida. A sociedade colocou as ciências – junto com o médico e pesquisas
cientificas – como a única e irrevogável, solução para humanidade em alcançar a
felicidade. Somos pessoas que temos nossas alegrias, temos nossos prazeres,
temos nossas paixões, temos nossos desejos, temos nossas vontades. Existem
milhões de áreas que nós, pessoas com deficiência, queremos ser aceitos. Auggie
fez várias cirurgias corretivas, mas não teve nenhuma construção psicológica
para enfrentar a sociedade, não houve um preparo para o enfrentamento. Sorte
dele que a mãe – como foi a minha – que insistiu que ele fosse para uma escola
(que foi contra o marido e pai de Auggie que ainda, queria o filho ter aula em
casa), quis que ele encarasse uma sociedade doente pelo estereotipo da normalidade.
Além do mais, a sociedade norte-americana – embora, a sociedade estudanense,
tem muito mais estudos – tem muitos preconceitos, ainda.
Na verdade, eu acho que a nossa sociedade é demagoga, não preconceituosa,
pois, em alguns momentos, é chata. Se isso tem mudado, mudou muito pouco. Tanto,
que nem percebo. Não se dá lugar para pessoas com deficiência no ônibus (nem
para os cadeirantes ficarem no box). Não deixam os lojistas atenderem a nós,
deficientes, quando fazemos compras, como se tivessem mais prioridades. Quando estamos
namorando, nos olham com cara feia. As próprias mãe de outros deficientes, te
olham como se você tivesse fazendo a coisa mais errada do mundo, só por causa
que o filho vai ver que ele também pode. Mas todos esses que fizeram isso, vão lá
e doam quantias consideráveis para o Teleton (no livro que escrevi, contém a
minha teoria da sociedade teletoniana), como faziam os nobres, dando quantias consideráveis
para as casas de caridade no período medieval. Como sou um cético nesse tipo de
campanha – vivi nessa entidade muitos anos para saber que ela não atende nada e
só mudou o nome para ficar “bonitinha” – não acredito que seja eficaz para a inclusão
de pessoas com deficiência. Além, de reforçar ao máximo, a linguagem da medicalização.
Stephen Hawking, quando foi diagnosticado com sua síndrome ELA
(Esclerose Lateral Amiotrófica), deram a ele uma ou duas semanas, ele já está
com 76 anos de idade. A medicalização não é um dado irreversível, não pode ser
visto como a única solução, mas temos uma vida plena. No caso de Auggie, é
apenas um garotinho que não sabia se defender, sua única defesa era o capacete
que escondia o seu rosto. Os preconceitos sociais são fortes graças ao mundo
que vivemos, as propagandas perfeitas, os desejos aguçados para venderem mais. Eu
não acho que vender é o problema, tanto quem está vendendo, quanto o publicitário
que está produzindo a propaganda, estão trabalhando para sobreviver. O problema
é você criar o mundo para fazer isso, que ao meu ver, não precisaria se o ser
humano não fosse condicionado. A pergunta é: o que é a realidade? Será que a
realidade é uma propaganda de Margarina ou pasta de dente? Claro que não. Temos
dentes amarelos. Tomamos café da manhã, muitas vezes, sozinhos. A mesa pode ser
velha, nós soltamos pum, não temos o rosto liso e perfeito. São “sombras” que
querem mostrar que é a realidade.
Isso é tema de vários livros de filosofia e literários, um
mundo condicionado que quebra a sua realidade por causa de um que não aceitou
ou saiu, desse condicionamento. Auggie não cabia na realidade das outras crianças,
ele quebra essa realidade como se ele fosse um estranho, algo que quebra o
paradigma da perfeição e o medo aparece. A aparência mostra uma outra
realidade, uma realidade muito além do que é mostrada. Parece que isso é obvio,
mas não é. A título de exemplo, eu estudava num colégio tradicional que tinha,
até a década de 90, uma unidade de ensino da entidade AACD, EEPG Rodrigues
Alves, que fica na Avenida Paulista (São Paulo). Foram perguntar para a
coordenadora da unidade das classes especiais, se comíamos comida normal ou
comida especial. Estávamos na década de 80, onde não tinha tantas informações como
temos hoje. Mas, hoje em dia, estamos no século vinte e um, com o advento da
internet a nossa volta, ainda, ouvimos esse tipo de pergunta e respondemos
ainda, temos que sim.
Por que? Porque há ainda, uma noção que a realidade é
padronizada, como se vivêssemos na caverna de Platão (veja aqui), até mesmo, a
história do escritor inglês, Adous Huxley, Admirável Mundo Novo, (que vou fazer
textão depois de ler meu exemplar), onde o mundo ficou todo “politicamente
correto”, com ideias libertinas, padronizadas e foi baseado, logicamente, na
ideia de Platão. O mundo que vemos e o mundo, que intuímos. O mundo que vimos é o mundo que achamos ser
real, mas nem sempre ele o é. O mundo que intuímos e temos como base – como se não
existisse – em uma maneira de ver diferente, numa maneira mais verdadeira. O mundo
que pensamos ser real, é uma realidade forjada com os valores que pensamos ser
verdadeiros. Mas não são. Pessoas como o Auggie, que de alguma maneira, são diferentes
da realidade vigente de anuncio de margarina, querem ter uma vida como as
outras crianças. Pessoas “diferentes” são menosprezados e enfrentam vários obstáculos,
não só de forma física essa diferença, mas pode ser, numa outra maneira de
pensar. Na verdade, a mídia e o capitalismo – claro, não tirando suas eventuais
falhas – herdaram muitas coisas de séculos atrás, coisas que separam os povos. São
separados por causa da ignorância, não entenderam que somos uma espécie só. Padronizaram
aparências. Separam os latinos porque não se encaixam nos padrões estudanenses.
Os negros não se encaixam nos padrões dos brancos. Os asiáticos não se encaixam
com os dos ocidentais e os ocidentais, não se encaixam com os asiáticos.
A padronização humana não faz sentido – mesmo se essa padronização
é ancestral – porque somente características são diferentes, mas nós como espécie,
como disse, é uma só. Isso também vale para a deficiência. Temos várias limitações,
mas não somos de outra espécie. A questão da aparência é uma questão estética,
pois, a estética é muito bem explorada dentro da nossa cultura. A questão do
Auggie é uma questão estética. Quando vimos algo diferente, esteticamente, que
foge da realidade que estamos acostumados, nada nessa realidade faz sentido. Por
isso mesmo, somos criaturas que discriminamos, muitas vezes, porque sempre
vamos procurar o nosso semelhante. O medo, nesse caso, opera como uma defesa
daquilo que desconhecemos. Não convivemos e não sabemos o que vão fazer. Medo de
nós, pessoas com deficiência, porque não sabem como vamos reagir ou o que
somos. Parece absurdo, mas não é. Julian que estuda com Auggie, fazia vários bullyng
com ele (Auggie), a todo o momento, na verdade, porque tinha medo. Isso se
confirma na reunião com os pais dele e o diretor, quando a mãe disse que Julian
tinha pesadelos. Se era para proteger ele, não podemos saber. Mas existe a “liçãozinha”
do mestre Yoda, o medo pode gerar a raiva, a raiva pode nos levar ao lado
escuro da FORÇA. O lado escuro é o fechamento de uma ideia. É não sair da
caverna e não ver o mundo de verdade, diversos de seres humanos diferentes,
diversas possibilidades de realidades possíveis. Nos obscurecemos sempre quando
desconhecemos algo, quando ficamos isolados, estamos com medo. O medo gera a
raiva daquilo que poderemos nos tornar, pode até mesmo, ser superior que nós.
Auggie mostrou ser capaz de ser bom em alguma coisa, que
para mim, não há nada de errado. Julian se achava humilhado por ainda carregar
o estereotipo do perfeito ser bem-sucedido, o imperfeito é o inferior, o
sujeito que não é capaz. Mesmo se não quisermos, temos mais concentração (por
causa do nosso costume da cadeira de rodas). Mesmo se não quisermos, temos mais
atenção e isso tambem é mostrado, tanto no filme, quanto no livro, sentia a
Via, irmã de Auggie. Auggie tirava notas altas. Ter sucesso é ter boa aparência,
ter boa aparência, é ter perfeição. Claro que você deve ter boa aparecia, se
vestir bem, ter uma aparecia, mais ou menos, agradável. Acontece, que a
sociedade confunde em ter boa aparência, com a perfeição. As empresas pedem boa
aparência, mas confundem, em ser perfeito. Isso não existe. Isso é padronizar
uma aparência e a padronização, sem dúvida, é uma ditadura. A ditadura da perfeição.
O filme e o livro “Wonder”, é uma resposta ao mundo da perfeição.
Dos comerciais de margarina. Dos programas de televisão que impõem vários padrões
que a sociedade deve ser. Se Palacio escutasse a música da Pitty, Admirável
Chip Novo, ela iria ver que tem também a ver. Sendo um mundo governado pela a
esquerda, pela a direita, não importa. A padronização estética sempre vai ser
um condicionamento humano, dominar os seus desejos, dominar os seus gostos,
dominar os seus impulsos. Desde a idade média, já se faziam isso e gostaram. Outra
coisa que a escritora coloca, Via encontra um namorado negro, o negro
intelectual, amante de violino. Lá nos Estados Unidos, é uma acentuado esse
preconceito, mais do que aqui.
Enfim, o filme não foge muito do livro que eu recomendo (não
li as continuações). Só vamos mudar isso por meio da educação, mas não a escolar
que constrói o ser humano social, mas a educação familiar. Mostra aos mais
jovens que o Auggie, mesmo com aquela aparência, ele é um menino como os
outros. Um menino que gosta de Star Wars. Um menino que não quer ser exemplo de
nada, só quer ter amigos e curtir com os amigos. Desconstrói a ideia do “exemplo
de superação” – que os estudanenses já superaram – que é, pelo menos aqui no Brasil,
uma ideia predominante. Bom filme, bom entretenimento, boa interpretação dos
atores.
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