domingo, 24 de novembro de 2019

O paradoxo da Frida Kahlo


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fotos de Frida Kahlo em seu último ano de vida (Fonte: Razões para Acreditar)


Eu sou minha única musa, o assunto que conheço melhor.
Frida Kahlo




Quem conhece a biografia da Kahlo – pintora e artista mexicana – sabe que ela era deficiente. Ela sofreu um acidente quando estava em um ônibus que lhe causou várias sequelas e a ida dela para uma cadeira de rodas. Isso nunca lhe impediu de ser pintora ou ativista politica – sim, ela era comunista – e ser uma mulher desejada. Mas, algum tempo, alguns grupos de pessoas com deficiência vem denunciando a imagem de Frida como uma mulher sem deficiência, coisa que nunca aconteceu. Camisetas e todo ripo de quinquilharia que não faz o menor sentido ter uma Frida completamente, normal. Eis a reflexão sobre a estética conservadora – platônica-aristotélica – de uma base da perfeição que faz ver uma harmonia. Mas existe perfeição no meio natural?
A questão é a origem desse julgamento que tem o nome de estética e também, o que é a deficiência (ou a definição dela). Conforme está no Wikipédia, o termo estética deriva do grego “ainsthesis” que tinha o significado: percepção, sensação e sensibilidade. Seria o ramo da filosofia que estuda a natureza, a beleza e os fundamentos da arte. O papel da estética é estudar como o ser humano julga e também, como percebe do que a humanidade considera como belo e a emoções produzidas pelos muitos fenômenos estéticos e como as diferentes formas que o ser humanos fazem arte e as técnicas para tal. Também estuda a essência da obra e da arte em si mesma e a sua criação em relação entre a matéria e as muitas formas dessa mesma arte. Por outro lado, a estética em si, pode ter um outro fim, ou seja, como se ocupar do sublime (aquilo que é belo) ou da privação da beleza (aquilo que é feio). Ora, algo sublime vai muito além do belo e sim, tem a ver com aquilo se apresenta como inexcedível perfeição material, moral ou intelectual elevado. Beira a perfeição divina da metafísica. Para o grego, a verdadeira beleza não está no mundo (como realidade), mas está além daquilo que é perfeito e essa noção começa com Platão.
Para Platão todas as coisas da realidade que vimos e muitas vezes, tocamos, são meras cópias e as verdadeiras estão no mundo das ideias. Porque, para o filósofo, não existe um círculo perfeito ou outra coisa além da perfeição e nem no mundo natural isso acontece. Se observarmos uma flor, cada pétala dela estará milimetricamente ou maior ou menor do que a outra, mostrando que não há igualdade entre as pétalas. No mesmo modo, e pudermos medir um favo de mel onde as abelhas constroem (hexagonal), vai existir milímetros de diferença entre um e o outro. Ou seja, Platão junta a teoria de Heráclito (filósofo Pré-Socrático) que dizia que tudo muda e a filosofia de Parmênides (outro Pré-Socrático) que nada muda. Assim, as formas são meras cópias daquilo que está no mundo das ideias, ou melhor, lá na imaginação ou em uma outra dimensão (que seria um pleonasmo). Portanto, quanto mais conhecimento acumulamos, mais alcançamos a perfeição. Assim, Platão vai colocar a estética (percepção) no logos – o autor da Wikipédia erra porque o termo “logos” não é lógica e sim, razão – ou seja, vão colocar como forma racional onde o conhecimento vai sublimando a forma. Se irmos além, até faz sentido se a colocarmos um fator da evolução do universo a informação, mas, a beleza enquanto formato corporal, tem a ver com outros fatores (acho que a genética é um meio de informação).
Só que Platão foi interpretado muito erradamente pelos teóricos frades da idade media, porém, antes disso temos que explorar Aristóteles. Se para Platão o belo (sublime) passava pelo “logos” - razão enquanto saber - para Aristóteles a estética tinha a ver com a ética (mais um erro do autor do Wikipédia que colocou moral, sendo que o grego o termo e nem o significado não existiam), porque a ética tem a ver com o caráter e o caráter tem a ver com o bom e o belo. A questão da verdadeira bondade vem desde Sócrates (mestre de Platão), porque o filósofo sempre dizia que o conhecimento deixavam o ser humano bom, justo e que a maldade não existe e sim, é a ignorância que deixava o ser humano sem ética. Aristóteles vai pegar o fio da miada de Sócrates e dizer que o ser humano fica mais ético com o conhecimento, e a felicidade está na ética.
Foram os padres da igreja que vão colocar o Mundo das Ideias como o paraíso e vão dizer que o ser humano perfeito é aquele que busca e está no paraíso divino e aquilo que não é belo, não tem a perfeição – como os outros deuses – são coisas ruins e são empregados de Satanás. Resumindo o soneto, não entenderam Platão. Ou nas melhores das hipóteses, interpretaram como acreditaram ser certo (como todo fanatismo). Então, começou a se pensar, que todo mundo que não apresentasse beleza ou era um demônio ou não tinha alma, porque a verdadeira forma estava na alma. Mas o “logos” platônico era o “logos” muito além da alma como critério meramente humano e sim, uma sublimação que vai além das aparências. No meu período de estudos metafísicos, só duas doutrinas religiosas superam essa sublimação, o espiritismo e o budismo (vamos dizer que algumas doutrinas esotéricas e as religiões afro). Não quero me aprofundar, pois, o texto não é sobre. Mas, voltando aos frades cristãos estudiosos de Platão, não entenderam nada. Veio a ética aristotélica e de novo, não entenderam nada sobre, a felicidade era ser moral e não ético por causa da nossa matriz romana. Moral veio do latim “mos” que no plural ficava, “more”, que era uma tentativa de traduzir o grego “ethos” que queria dizer num primeiro momento, morada do homem, depois, se mudou para caráter. Já os romanos, vão traduzir como modo de costume ou costume. Ora, para se dominar uma população seria melhor o caráter de cada um ou o costume coletivo?
Ou seja, os estudiosos medievais – na maioria são monges e frades da igreja romana – vão querendo colocar a estética como uma intenção de estudar independentemente os outros ramos dentro da filosofia. No âmbito do belo – sempre lembrando que para esses estudiosos o belo só é o que está no paraíso – dois aspectos têm maior destaque: primeiro, a estética começou como uma teoria e se torna uma ciência por causa do “logos” e por causa do “ethos”, ou seja, por causa da razão e por causa do caráter ou se preferir, por estarmos na era medieval, o costume. Dai, a estética vai ser colocado como algo como valores primordiais para o ser humano, ser verdadeiro, ser belo e bom. O centro dessas discussões era um certo tipo de julgamento de valor que se enuncia as normas gerais do belo.
Depois que passa alguns períodos da nossa história – como a cisma protestante – a estética passa a assumir uma característica também como uma parte da metafísica do que seria belo – lembra da ideia do sublime? – que vai se esforçar a responder de onde viria a fonte original de todas as belezas sensíveis. Isso seria o reflexo da parte inteletível da matéria (do platonismo), a manifestação sensível das ideias (do hegelismo) e o belo natural e o belo arbitrário (intrínseco do ser humano).
Então, a deficiência é uma má-formação dentro da ideia da sublimação da estética da igreja romana, já Platão e Aristóteles pensavam como todos da sua época, pessoas com deficiência tinham que morrer. Há muito tempo – depois não encontrei mais – eu li que eramos considerados como pessoas misteriosas e não se sabia o porquê, sermos limitados e por isso, diferentes. Pessoas deficientes eram caladas e tinham corpos distorcidos e isso deveria assustar os seres humanos da antiguidade. Por outro lado, haviam deficiências eram consideradas divinas e alguns oráculos – na maioria mulheres – eram cegos na Grécia e os povos celtas, algumas pessoas com deficiência eram druidas. Há até uma tradição, que Homero, na verdade, era cego e declamava seus poemas que muito mais tarde, foram escritos. Na verdade, nem todas as pessoas com deficiência eram mortas, muitas vezes, apenas eram mortas as das elites como os espartanos que, obviamente, não poderiam ter deficiência.
Deficiente vem do termo latim “deficiens” que vem do verbo “deficiere” que tem o significado “desertar, se revoltar e falhar”, do sufixo DE (Fora), mais o FACERE (Fazer e realizar). Sempre lembrando, que o sufixo DE também é de negação, ou seja, deficiens quer dizer não realizar, não fazer ou incapacitado. Mas, no mundo romano, as pessoas com deficiência eram mortas se o chefe da família quisesse. Portanto, ou eram deixados para morrer, ou eram fonte de renda de quem cuidasse dessas crianças, ou seja, elas pediam esmolas nas portas dos templos, nos coliseus e na idade media, nas igrejas. Depois, com o avanço das ciências e a tecnologia, a cadeira de rodas foi inventada, os aparelhos foram aparecendo e se aperfeiçoando. Porém, as pessoas com deficiência eram internadas por pensar que a deficiência era uma doença. Então, a cadeira de rodas ficou com o estigma de doença e de limitação daquilo que não tem lugar dentro do que seria, como imagem social, uma pessoa saudável. Para os medievais – assim como os gregos – pessoas saudáveis são pessoas harmoniosas e as pessoas menos saudáveis são as pessoas menos harmoniosa.
Ai temos um paradoxo da Frida Kahlo, pois ao mesmo tempo ela era uma grande pintora e uma ativista politica – sim, ela era comunista e dizem teve caso com Trotsky – ao mesmo tempo, sua verdadeira imagem é de uma mulher incapacitada. Uma mulher numa cadeira de rodas venderia camiseta? Ou uma mulher jovial numa bicicleta venderia mais camisetas? Claro que vai ser a camiseta que a Frida Kahlo está em pé em uma bicicleta, porque assim, parece saudável. A questão é o estereótipo da cadeira de rodas como um sinal de doença, sinal de fraqueza e sinal de santidade e não é. Para nós, pessoas com deficiência, é apenas um instrumento de locomoção e de liberdade. Sim. Muitas pessoas com deficiência não gostam da expressão liberdade, mas, se não fosse a cadeira de rodas, estávamos presos em uma cama. Como a Frida ficou bastante tempo graças a dores terríveis que ela tinha e que culminou com seu enfraquecimento de saúde. Porém, não deixou de ser a grande artista que foi.

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