
Amauri Nolasco
Sanches Jr
(amauri.njunior@gmail.com)
Eu conversando com uma colega lá no centro de reabilitação
no qual, faço a minha fisioterapia (porque eu tenho que sempre estar em dia por
causa dos meus músculos não atrofiarem), estava ensinando para ela o termo
capacitista que é um termo para nós o equivalente ao racismo para os negros ou
feminismo para as mulheres e por aí vai. Talvez, por uma margem muito pequena
de erros, posso afirmar que não acho esse termo coisa de esquerdinha de humanas
uspiano, mesmo o porquê, a universidade nunca se preocupou na área humanista da
questão da pessoa com deficiência enquanto pessoa humana e não um objeto para
estudo médico. Como disse a doutora Isabel Maior num Café Filosófico, uma família
ter um susto por ter nascido uma criança com deficiência é até admissível, mas
um médico é até a demonstração que o iluminismo humanitário falhou, pois, nem
sempre as coisas são explicadas com a racionalidade. Concordo com a doutora, um médico deveria ter
uma postura um pouco melhor por ter estudado as deficiências.
Nesse contexto todo que eu expus acho justo, que tenhamos
bem claro que o capacitismo está sempre acima dos conceitos binários que
estamos expostos e enxerguei isso no último filme que assisti onde o personagem
era tetraplégico e se mata no final. Por que não podemos ser felizes? Acontece
que não foi só neste filme que vi isso, só para dar mais um exemplo, no curta
metragem Cordas que mostra também esse lado, sempre avaliando que as pessoas
com deficiências não são felizes numa cadeira de rodas. Isso acontece por um
simples fato: a simbologia das pessoas com deficiência sofredoras, que as
pessoas com deficiência não são capazes de fazer tarefas e de não serem capazes
de sentir nem desejos, nem sentimentos e muito menos, amor. Daí o termo
“capacitismo” entra em voga, pois, capacitismo (que nos países de língua
espanhola é validismo), veio do termo em inglês “ableism” e “disablism” que são
termos que designa a discriminação de pessoas com deficiência. Aliás, existe
esse termo no documento da Convenção das Pessoas com Deficiência da ONU, onde é
denunciada esse tipo de atitude social que é claramente uma medicalização iluminista
da deficiência como fossemos “maquinas defeituosas” que precisam de cuidados.
Não somos maquinas defeituosas e sim, seres humanos como todo mundo.
Talvez, como vimos dentro de vários filmes e no cotidiano,
essa medicalização é reforçada dentro da família e dentro do próprio deficiente
como tal. Para mim fica bem claro que quando o médico se espanta e se assusta
com a deficiência adquirida ou no nascimento ou em um acidente, por exemplo,
acontece o que não deveria acontecer, o médico no meio daquele ar de “velório”
(como se nascemos morto ou morremos em algum acidente), diz a família que ele
vai depender totalmente da família por toda vida. A família por sua vez, veste
a camisa, digamos assim, e acha que isso é a maior verdade do mundo e faz disso
uma bandeira a defender. Conheço grupos virtuais de mães de pessoas com deficiência
que são um saco participar, tratando seus filhos como se fossem a parte da
sociedade e tendo preocupações muito irrelevantes para nosso século e claro,
alimentados por uma sociedade ainda discriminadora. Depois empresários inúmeros
vão dizer que não somos capazes, depois o governo não fara nada para educar ou
reabilitar numa vida social, pois, sempre a família trata o deficiente como um
inútil.
Aliás, só um parêntese, o termo capacitismo veio exatamente
do termo capaz, porque o termo capaz é um adjetivo e adjetivos, na sua maioria,
é uma qualidade da pessoa. Ou seja, “ser capaz” tem um verbo onde o “ser” será
o verbo “é” de forma irregular (porque não dizemos nós “emos” e sim, nós
“somos”), e capaz que é um adjetivo da qualidade de fazer ou não as tarefas
referidas. Graças a medicalização, o “ser capaz” depende das condições físicas
visuais e não, a grosso modo, da força de vontade. Nós que temos uma
deficiência, segundo a medicalização, não temos nem vontade e nem a capacidade
além do estereotipo que a sociedade construiu dentro do meio social. Muitas
vezes, muitos médicos ficam muito mais com o senso comum do que o estudo
acadêmico (que aliás, os scholars não
largam por causa do pensamento demagogo, que muito do que se houve e lê por aí
é cultura, mas cultura é umas coisas muito além do que o comercialismo cultural
popular), que além de não acrescentar nada aqui, ainda absorve todos os
conceitos e preconceitos daqueles que não estão na universidade. A
medicalização além de ser uma espécie de vírus herdada do iluminismo, há varias
demonstrações de discriminação e desrespeito da pessoa humana. Qual é a linha
tênue entre um publicitário com deficiência e um publicitário sem deficiência?
Qual a linha tênue entre um técnico de informática com deficiência e um técnico
de informática sem deficiência? Qual a diferença de um filósofo com deficiência
e um filósofo sem deficiência? Aliás, a filosofia nunca se preocupou com esse
lado, ao meu ver, porque ela colocou sempre na berlinda a linha que separa a
realidade e a ilusão num mesmo patamar, ainda mais a filosofia contemporânea,
que diz (algumas escolas de pensamento), que nossa realidade é tudo o que dizemos
e construímos a partir do que dizemos. Também na epistemologia (teoria do
conhecimento), que nos diz que o ser humano é um curioso por natureza, que
talvez, possamos duvidar quando vimos discriminações diversas por aí só por
causa de afirmações alheias.
Só para deixar muito claro uma coisa – que aliás, muitas
pessoas acham coisa de socialista, mas que não é – quando critico a família
(critica no sentido de análise profunda, mesmo), estou criticando a maneira que
trata um ser humano que só acomete de deficiência e não a instituição da
família. Porque na minha maneira de ver, todo mundo que defende a família deveria
olhar para a sua própria e dizer se está fazendo exatamente como o seu
discurso, senão, pelo menos para mim, é palavra vazia e sem sentido. E outra
coisa, a família dentro da reabilitação das pessoas com deficiência é muito
importante dentro da estrutura da própria estrutura conceitual dentro do ser ou
não capaz. A capacidade não é uma estrutura de medicalização – que Foucault vai
dizer que é o discurso do poder (ou o micro poder social) que constrói todo um
conceito binário entre o normal e o anormal – pois vai muito além do corpo e o
diagnóstico (nem sempre acertado), que não faz sentido nenhum. Como dizer que
um publicitário com deficiência vai produzir menos do que um sem a
deficiência? Como dizer que um vendedor
com deficiência vai vender menos do que um vendedor sem deficiência? Nesse
sentido que o discurso de ser capaz ou não acaba não tendo sentido nenhum,
porque não se pode analisar só uma capacidade num olhar clinico e sim, num
olhar do sentido da capacidade do ser humano. Por outro lado, hoje sabemos, que
células do cérebro (os neurônios), podem se recuperar lentamente ou
simplesmente, eles fazem outras ligações. A adaptação cerebral é tão
fantástica, que um cego, por exemplo, tem os outros sentidos muito mais
desenvolvidos e podem viver muito bem; ou várias outras deficiências que
desenvolvem outros fatores que podem ser usados muito bem.
A título de exemplo, posso demonstrar minha deficiência que
é acometida pela falta de oxigenação que por razões da época começou a ser
chamada de paralisia cerebral. Isso não quer dizer que o meu cérebro ou de
outra pessoa que tenha essa deficiência tenha o cérebro paralisado (talvez, se
pensasse que o cérebro tivesse paralisado), e sim, só temos algumas sequelas
dentro dos movimentos e em alguns casos como o meu, perde o equilíbrio por
causa da perda de noção do espaço. Mas achar que o cérebro é paralisado, mais
uma vez, é consequência de uma medicalização devido a imagem do médico como
aquele que vai curar, deficiências se amenizam, não se curam mais. Essa é uma
visão realista e não pessimista, pois, a visão pessimista nos coloca no rol dos
inúteis que não pensam e só “babamos” por causa de um cérebro incapaz de se
pronunciar. Quem sabe o mínimo de biologia (se assistiu realmente as aulas),
pode afirmar que se o cérebro fosse paralisado e que não pudesse dar nenhum
comando para começar, eu e muitos não estaríamos vivos, estaríamos mortos e nem
vingássemos como ser nascente. Depois, é claro e muito obvio, não estaria
escrevendo esse texto. Aliás, esse texto está muito coerente, acho eu, para
acharem que não penso e pasmem aqueles que pensam, ou pensam pensar, que esse
blog todo ele foi eu mesmo que fiz. Eu não penso? Eu não sou capaz?
Essa coisa de síndrome de “Will Traynor” colabora também
para o capacitismo, porque o mundo para a pessoa acaba, o mundo fica muito mais
cruel e injusto. Mas o que é justo ou injusto? O que é feio e bonito? O que é
certo ou errado? Devemos aceitar nosso destino (amor fati), como algo
construído dentro de fatalidades, mas estão aí para todo mundo viver e a
deficiência não é diferente, ela é real, mas não é o fim. Para mim, quem desiste
deveria simplesmente, assumir sua imensa covardia.