domingo, 26 de junho de 2016

O que é isto – Capacitismo?



Amauri Nolasco Sanches Jr
(amauri.njunior@gmail.com)

Eu conversando com uma colega lá no centro de reabilitação no qual, faço a minha fisioterapia (porque eu tenho que sempre estar em dia por causa dos meus músculos não atrofiarem), estava ensinando para ela o termo capacitista que é um termo para nós o equivalente ao racismo para os negros ou feminismo para as mulheres e por aí vai. Talvez, por uma margem muito pequena de erros, posso afirmar que não acho esse termo coisa de esquerdinha de humanas uspiano, mesmo o porquê, a universidade nunca se preocupou na área humanista da questão da pessoa com deficiência enquanto pessoa humana e não um objeto para estudo médico. Como disse a doutora Isabel Maior num Café Filosófico, uma família ter um susto por ter nascido uma criança com deficiência é até admissível, mas um médico é até a demonstração que o iluminismo humanitário falhou, pois, nem sempre as coisas são explicadas com a racionalidade.  Concordo com a doutora, um médico deveria ter uma postura um pouco melhor por ter estudado as deficiências.

Nesse contexto todo que eu expus acho justo, que tenhamos bem claro que o capacitismo está sempre acima dos conceitos binários que estamos expostos e enxerguei isso no último filme que assisti onde o personagem era tetraplégico e se mata no final. Por que não podemos ser felizes? Acontece que não foi só neste filme que vi isso, só para dar mais um exemplo, no curta metragem Cordas que mostra também esse lado, sempre avaliando que as pessoas com deficiências não são felizes numa cadeira de rodas. Isso acontece por um simples fato: a simbologia das pessoas com deficiência sofredoras, que as pessoas com deficiência não são capazes de fazer tarefas e de não serem capazes de sentir nem desejos, nem sentimentos e muito menos, amor. Daí o termo “capacitismo” entra em voga, pois, capacitismo (que nos países de língua espanhola é validismo), veio do termo em inglês “ableism” e “disablism” que são termos que designa a discriminação de pessoas com deficiência. Aliás, existe esse termo no documento da Convenção das Pessoas com Deficiência da ONU, onde é denunciada esse tipo de atitude social que é claramente uma medicalização iluminista da deficiência como fossemos “maquinas defeituosas” que precisam de cuidados. Não somos maquinas defeituosas e sim, seres humanos como todo mundo.

Talvez, como vimos dentro de vários filmes e no cotidiano, essa medicalização é reforçada dentro da família e dentro do próprio deficiente como tal. Para mim fica bem claro que quando o médico se espanta e se assusta com a deficiência adquirida ou no nascimento ou em um acidente, por exemplo, acontece o que não deveria acontecer, o médico no meio daquele ar de “velório” (como se nascemos morto ou morremos em algum acidente), diz a família que ele vai depender totalmente da família por toda vida. A família por sua vez, veste a camisa, digamos assim, e acha que isso é a maior verdade do mundo e faz disso uma bandeira a defender. Conheço grupos virtuais de mães de pessoas com deficiência que são um saco participar, tratando seus filhos como se fossem a parte da sociedade e tendo preocupações muito irrelevantes para nosso século e claro, alimentados por uma sociedade ainda discriminadora. Depois empresários inúmeros vão dizer que não somos capazes, depois o governo não fara nada para educar ou reabilitar numa vida social, pois, sempre a família trata o deficiente como um inútil.

Aliás, só um parêntese, o termo capacitismo veio exatamente do termo capaz, porque o termo capaz é um adjetivo e adjetivos, na sua maioria, é uma qualidade da pessoa. Ou seja, “ser capaz” tem um verbo onde o “ser” será o verbo “é” de forma irregular (porque não dizemos nós “emos” e sim, nós “somos”), e capaz que é um adjetivo da qualidade de fazer ou não as tarefas referidas. Graças a medicalização, o “ser capaz” depende das condições físicas visuais e não, a grosso modo, da força de vontade. Nós que temos uma deficiência, segundo a medicalização, não temos nem vontade e nem a capacidade além do estereotipo que a sociedade construiu dentro do meio social. Muitas vezes, muitos médicos ficam muito mais com o senso comum do que o estudo acadêmico (que aliás, os scholars não largam por causa do pensamento demagogo, que muito do que se houve e lê por aí é cultura, mas cultura é umas coisas muito além do que o comercialismo cultural popular), que além de não acrescentar nada aqui, ainda absorve todos os conceitos e preconceitos daqueles que não estão na universidade. A medicalização além de ser uma espécie de vírus herdada do iluminismo, há varias demonstrações de discriminação e desrespeito da pessoa humana. Qual é a linha tênue entre um publicitário com deficiência e um publicitário sem deficiência? Qual a linha tênue entre um técnico de informática com deficiência e um técnico de informática sem deficiência? Qual a diferença de um filósofo com deficiência e um filósofo sem deficiência? Aliás, a filosofia nunca se preocupou com esse lado, ao meu ver, porque ela colocou sempre na berlinda a linha que separa a realidade e a ilusão num mesmo patamar, ainda mais a filosofia contemporânea, que diz (algumas escolas de pensamento), que nossa realidade é tudo o que dizemos e construímos a partir do que dizemos. Também na epistemologia (teoria do conhecimento), que nos diz que o ser humano é um curioso por natureza, que talvez, possamos duvidar quando vimos discriminações diversas por aí só por causa de afirmações alheias.

Só para deixar muito claro uma coisa – que aliás, muitas pessoas acham coisa de socialista, mas que não é – quando critico a família (critica no sentido de análise profunda, mesmo), estou criticando a maneira que trata um ser humano que só acomete de deficiência e não a instituição da família. Porque na minha maneira de ver, todo mundo que defende a família deveria olhar para a sua própria e dizer se está fazendo exatamente como o seu discurso, senão, pelo menos para mim, é palavra vazia e sem sentido. E outra coisa, a família dentro da reabilitação das pessoas com deficiência é muito importante dentro da estrutura da própria estrutura conceitual dentro do ser ou não capaz. A capacidade não é uma estrutura de medicalização – que Foucault vai dizer que é o discurso do poder (ou o micro poder social) que constrói todo um conceito binário entre o normal e o anormal – pois vai muito além do corpo e o diagnóstico (nem sempre acertado), que não faz sentido nenhum. Como dizer que um publicitário com deficiência vai produzir menos do que um sem a deficiência?  Como dizer que um vendedor com deficiência vai vender menos do que um vendedor sem deficiência? Nesse sentido que o discurso de ser capaz ou não acaba não tendo sentido nenhum, porque não se pode analisar só uma capacidade num olhar clinico e sim, num olhar do sentido da capacidade do ser humano. Por outro lado, hoje sabemos, que células do cérebro (os neurônios), podem se recuperar lentamente ou simplesmente, eles fazem outras ligações. A adaptação cerebral é tão fantástica, que um cego, por exemplo, tem os outros sentidos muito mais desenvolvidos e podem viver muito bem; ou várias outras deficiências que desenvolvem outros fatores que podem ser usados muito bem.

A título de exemplo, posso demonstrar minha deficiência que é acometida pela falta de oxigenação que por razões da época começou a ser chamada de paralisia cerebral. Isso não quer dizer que o meu cérebro ou de outra pessoa que tenha essa deficiência tenha o cérebro paralisado (talvez, se pensasse que o cérebro tivesse paralisado), e sim, só temos algumas sequelas dentro dos movimentos e em alguns casos como o meu, perde o equilíbrio por causa da perda de noção do espaço. Mas achar que o cérebro é paralisado, mais uma vez, é consequência de uma medicalização devido a imagem do médico como aquele que vai curar, deficiências se amenizam, não se curam mais. Essa é uma visão realista e não pessimista, pois, a visão pessimista nos coloca no rol dos inúteis que não pensam e só “babamos” por causa de um cérebro incapaz de se pronunciar. Quem sabe o mínimo de biologia (se assistiu realmente as aulas), pode afirmar que se o cérebro fosse paralisado e que não pudesse dar nenhum comando para começar, eu e muitos não estaríamos vivos, estaríamos mortos e nem vingássemos como ser nascente. Depois, é claro e muito obvio, não estaria escrevendo esse texto. Aliás, esse texto está muito coerente, acho eu, para acharem que não penso e pasmem aqueles que pensam, ou pensam pensar, que esse blog todo ele foi eu mesmo que fiz. Eu não penso? Eu não sou capaz?


Essa coisa de síndrome de “Will Traynor” colabora também para o capacitismo, porque o mundo para a pessoa acaba, o mundo fica muito mais cruel e injusto. Mas o que é justo ou injusto? O que é feio e bonito? O que é certo ou errado? Devemos aceitar nosso destino (amor fati), como algo construído dentro de fatalidades, mas estão aí para todo mundo viver e a deficiência não é diferente, ela é real, mas não é o fim. Para mim, quem desiste deveria simplesmente, assumir sua imensa covardia. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário