
Quando eu era menor, minha mãe sempre me passava valores
realmente, éticos e morais dentro do que ela sabia o que era ou não certo. O
tempo passou e quando ficamos mais velhos esses valores mudam um pouco, mas em
nenhum momento, a base desses valores se perderam ao longo dessa trajetória. Me
lembro até hoje ela dizendo que se eu e meu irmão engravidássemos uma namorada
nossa, iriamos casar e sustentar o filho que geramos nela. O principal, que
nunca me esqueço, é que minha mãe sempre ensinou que “macho” era cachorro, que
ela estava criando homens. Como ela teve vários sofrimentos familiares, criou
os filhos na melhor maneira possível (incluindo minha prima).
Essa base moral que a minha mãe deixou – que claro, nem tudo
poderíamos concordar, mas nisso ficou muito claro – fez de nós homens e não
machos-alfas, não homens que bateriam em uma mulher ou que fizesse algo com
ela. Uma das coisas que ela sempre me ensinou foi que mesmo que uma mulher for
“puta” você não deve chamar ela assim, nem que a mulher te traiu, porque se ela
te traiu, o incompetente é você. A minha mãe foi feminista sem perder o
feminino, sem deixar se dedicar a casa, sem deixar suas convicções, mas que criou seus
filhos homens (eu e meu irmão) para serem homens, para serem pessoas que não
usam as mulheres, não xingam as mulheres, não desrespeitam as mulheres nem
mesmo quando as mulheres fazem alguma coisa (ela foi a primeira a ensinar o
PNA). Minha mãe não diferenciava os filhos homens com as filhas mulheres e nem
eu que tenho deficiência, se era para tomar bronca, tomava; ela era única, não
tinha outra na rua onde morávamos que tratava os filhos em pé de igualdade. E
mais, na minha casa não tinha essa de segura sua cabra que meu bodinho está a
solta não, como disse, não éramos criados como “bodinhos”. Daí chegamos a cerne
do problema, quando se cria “bodinhos” e não homens, quando se criam
“machos-alfa” e não homens responsáveis.
O nosso povo quebrou várias patentes porque nossa lei
permite isso, pois, existe para garantir o bem nacional. Pelo que ando lendo no
Facebook, o brasileiro quebrou a patente da ética e da moral e criando sua
própria ética e moral até nas explicações sobre crimes que deveriam ser crimes,
mesmo que as vítimas sejam criminosos. O que estão fazendo é um outro crime,
colocando uma ética acima de uma outra moral que não é nem ética e nem moral,
como se um ato pudesse justificar o outro. Poderíamos justificar um estupro com
as maneiras que uma mulher se veste? Claro que não. Poderíamos justificar as
fotos da menina segurando armas sendo estuprada por 33 homens e gravarem vídeos
para mostrar a barbaridade? Não é um ato que possa justificar ser estuprada.
Isso tem a ver com a moral e podemos até dar um exemplo clássico da praia, onde
mulheres saem de biquíni e mostra as partes que atraem os homens. É certo um
homem ir lá bolinar a mulher com a mão? Se vermos pelo lado instintivo talvez
não tivéssemos o discernimento, mas se temos a moral para nos dizer que aquilo
é errado e que não podemos fazer. O problema é que na verdade, há brechas dentro
dessa moral, como por exemplo, se a mulher sorrir como forma de simpatia, ou se
a mulher olha. Seria a mesma coisa nesse caso, pois, seria um álibi moral ser
do morro.
O ato do estupro (ou algo do gênero) é um ato completamente,
dentro da ética e, portanto, não cabendo apenas o ato em si, mas a vontade e a
consciência que esse ato pode despertar dentro da imagem que um homem pode ver.
Despertar um desejo não é uma atenuante mais segura para esse tipo de conduta,
porque você pode achar uma mulher bonita e “gostosona”, mas sua moral vai
mostrar que você não pode fazer nada se ela não permitir. Vai te dizer que você
não pode fazer nada se a moça tiver desacordada, não pode gravar vídeos sem o
concedimento dela. A moral é o que você é, é seu caráter dentro dos seus
valores, mas confundimos com moralismo. A
confusão se dá quando achamos que um pastor prega uma moral, mas um pastor não
prega uma moral e sim, um moralismo. Todo moralismo é uma doutrinação religiosa
que parte do princípio que existe uma verdade universal, uma moral que não pode
ser refutada de jeito nenhum (por isso chamo o petismo de religião). Mas a
moral poderíamos dizer que é outra coisa, é uma coisa muito mais profunda.
Minha mãe me ensinar que não existe macho e sim, homem, está me ensinando
valores morais para ao invés de ser um machão e fazer coisas por aí, eu ter
atitude de homem que vai colocar freios em alguns instintos e dar ao meu ato
algo racional.
Por isso eu e mais alguns filósofos dissemos que o homem é
um animal moral – no sentido de criar regras para um convívio social – porque
ele mesmo cria meios de não ir além daquilo que não pode ser. O que minha mãe e
muitas mães fazem, não é ser moralista e tosar a liberdade alheia, mas dar
valores que essa liberdade não seja criminosa (no sentido de não seguir as leis
sociais ou agredir o outro) e que cada um respeite o outro. Seria errado
ensinar que macho é cachorro e devemos ser homens? Seria errado ensinar as
crianças a conviverem com pessoas diferentes? Na mente “torta” de um conservador
brasileiro poderíamos até arriscar que há problemas, esses problemas são muito
mais morais do que éticos. A moral tem a ver com a consciência, tem a ver com o
princípio da moralidade. Daí sim é um moralismo quando você usa afirmações
cristãs para justificar uma moral que as vezes, não é cristã ou não tem a ver
com a religião. Você tratar a mulher com respeito não se trata de um moralismo
– mesmo o porquê, se fomos levar o velho testamento ao pé da letra, as mulheres
seriam tratadas como eram da idade média – se trata de uma ética moral, uma
ética além da ética, pois a ética da ética poderíamos chamar de metaética.
A grosso modo, a metaética é aquilo que vai analisar aquele juízo
moral dentro da validade do ato em si mesmo, como as consequências desse ato
pode afetar a si e ao outro. Na verdade, a metaética é uma filosofia da ética dentro
da essência do juízo do ato em si mesmo. A justiça tinha que ter esse tipo de análise
e não a culpa e não culpa em si, mas o ato na consequência da vítima em si
mesmo, ou seja, uma condenação por morte deveria ser calculada dentro da
perspectiva de vida da vítima e não o que o assassino fez. O estupro não deveria
só ser um crime hediondo, mas ser condenado mediante ao trauma que o homem
causou a vítima e todo uma gama de prejuízos (tratamento psicológicos e de remédios,
como antidepressivos), a vítima deverá ter para superar, ou amenizar, o que ele
causou. Assim é a ética, pois, se queremos ser humanizados (como alguns sempre
insistem com esse discursinho chato e “brega”), deveríamos ver os dois lados da
história, pois, quem cometeu o crime tinha um juízo moral e esse juízo moral
fez ele cometer o ato e faz crer que ele fez porque quis fazer e se ele tem uma
psicopatia, então, deve ser internado e isolado para não fazer. Ora, alguém tem
culpa que ele nasceu numa família sem nenhuma vontade de prosperar? Mesmo que
seja um discurso capitalista – mesmo eu achando que a questão da meritocracia é
muito mais profunda do que se fala por aí – é a sociedade onde vivemos, é o
sistema que está aí, então, a vítima não tem a menor culpa que o criminoso vive
na pobreza e se revolta com isso, ou desenvolve uma psicopatia.
A questão da ética aqui é uma questão de cultura, porque
somos muito ainda, sentimentais. Sempre temos a atitude daquela tia que o
sobrinho faz arte e passa a mão na cabeça do moleque e diz: “é apenas um menino”
ou “ele é revoltado”, porque uma revolta não é motivo para uma morte, uma
revolta não é motivo para um estupro, uma revolta não é motivo para ficar
solto.
Amauri Nolasco Sanches Jr, 40, filósofo e escritor.
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