quinta-feira, 14 de julho de 2016

O cartesianismo virtual







Amauri Nolasco Sanches Jr
(Amauri.njunior@gmail.com)


Rene Descartes (em português Renato Descarte e em latim Renatus Cartesius), viveu em um período onde as crenças religiosas começaram a serem questionadas e pondo a prova da verdade. Era o século quinze para dezesseis e a renascença (o renascimento da era da razão), quando o mundo começava a questionar se existia lógica no pensamento da igreja e se existe ou não embasamento para isso. Então, no O Discurso do Método que é sua obra mais importante (pelo menos para mim), vai dizer aos céticos que se há dúvida, tem que haver uma duvida geral. Ora, se não há certeza que existe um Deus que originou tudo e há duvida da veracidade de tudo que há na bíblia, podemos também contestar a veracidade de toda a realidade que nos cerca e até a da ciência. Daí Descartes vai formular sua mais famosa formula que vai contestar a nossa realidade, o congito ergo sun ou em bom português, “eu penso, logo eu existo”, pois, ao pensar estou constatando que eu não tenho dúvida da minha existência, mas posso duvidar da existência da realidade geral. Logo, podemos ver que a internet com seus usuários não é muito cartesiana nesse requisito, pois, podemos constatar que as pessoas acreditam em tudo que vê e lhe interessam.

Talvez, de uma maneira mais ou menos radical do meu modo de ver, as pessoas esqueceram da razão um pouco e equilibrar as coisas. Porque a internet assim como o Facebook, ficaram binários e essa parte do cartesianismo que o poder gosta. Em um outro momento (eu só li O Discurso do Método), Descartes vai formular que existe dois lados que são antagônicos, um lado é o gênio do mal e o outro lado, é o gênio do bem que ficam dizendo para ou fazer o bem, ou para fazer o mal. Claro, fica evidente, que Descartes ainda está contaminado com a sua crença de bem ou mal da sua fé do catolicismo (já que Descartes era católico declarado), que em muitas passagens, vai ficar marcado. O bem e o mal cartesiano assim como o corpo (res extensa) e a alma (res cogitans), vai modificar e muito a visão da humanidade sobre os dois princípios que regem a nossa consciência, hora rejeitada, hora aceita. Embora foi, nitidamente, uma faca de dois cumes, porque a humanidade pôde tirar a culpa de si mesmo para colocar ou no gênio do mal, ou no gênio do bem.

Mas sigamos.

No cogitans se traduz “alma”, mas não é bem assim. Alma dentro da filosofia é aquilo que sentimos, aquilo que somos como seres afetivos e racionais e que faz de nós sermos seres humanos. Além disso é só discurso vazio. Tanto é que quando fazemos uma maldade somos seres sem alma (como dizem de Hitler, um ser sem alma), e quando fazemos a bondade, somos seres com a alma elevada. Essa dicotomia, que não é nova, foi muito difundida numa crença antiga chamada de maniqueísmo que veio de um filósofo cristão chamado Maniqueu que dividia o bom (Deus) e o mal (diabo). Nesse caso, o bem é a elevação da alma ao corpo, e o mal é a elevação do corpo a alma (assim via Descartes que não diferenciava dos católicos e é a mesma linha de Santo Agostinho). Ora, se temos um gênio para cada fase daquilo que fazemos, segundo o cartesianismo, então a culpa nunca é nossa dentro de uma perspectiva mais realista do mundo que nos cerca. Então, a culpa de ser corrupto é do outro, nunca é nossa que elegeu o corrupto, por exemplo; quando causamos um acidente sempre a culpa é o outro que nos fechou e não vimos, sempre o outro vai nos dizer o que fazer da nossa vida e as nossas decisões. O cogitan no meu entender, é a mente que vai além do cérebro, pois, usando uma analogia de informática, o cérebro é o hardware (a parte física) e a mente é o software (a parte virtual).

Tudo aquilo que é virtual é uma potencialidade de existir e isso veio primeiro de Platão (na sua teoria das formas) e depois, objetivamente, em Aristóteles. Virtual vem de virtus que quer dizer: “excelência, eficácia, potência, capacidade para”, que literalmente vem “hombridade, virilidade”, pois, veio de VIR que é “varão, homem”. Dois significados foram incluídos dentro do virtual: uma em 1650 “ser algo na essência, mesmo que não no nome”; e a segunda em 1959 “inexistente fisicamente, mas se faz aparecer por meio de software”. É mais ou menos a questão do o que seria realidade e o que não seria realidade, o limite do “eu sou” com o “eu estou”, sendo o que, o “eu sou” é o que me vejo como um ser consciente que sei da minha existência e o “eu estou” é a base do que é a realidade de fato.  Deparáramos com um paradoxo: se o “eu sou” é tudo aquilo que cabe na minha natureza (imanência), o “eu estou” é aquilo que percebo dentro da realidade que existo (transcendência), então, a minha moral (meus valores no meio dos costumes), vai me fazer aceitar tanto o “eu sou” como uma natureza concreta, quanto o “eu estou” numa perspectiva de realidade objetiva. Qual é a realidade objetiva? Tudo que é objetivo tem a ver com o objeto referido a consciência da existência, pois, tudo que podemos ver e dá um nome é uma realidade objetiva que é o ambiente concreto daquilo que eu percebo como real. A moral, por exemplo, é de ordem subjetiva porque tem a ver daquilo que aprendemos como uma realidade dentro de nós mesmos.

Por que efetivamente eu estou mostrando o cartesianismo? O que estou vendo no meio das redes sociais (seja no Facebook, Twitter, etc), é um modo de pensar muito cartesiano entre o gênio do bem, o gênio do mal. Ou seja, se você defende algo neutro dentro da realidade política vai se transformar em “isentão”, se você defende uma maior liberdade sem perder nossa individualidade (seja no gênero, na religião, no modo de vida), te transformam em “esquerdista” e se você defende alguns valores tradicionais como família, como privatização das estatais, o fim de alguns benefícios você virara um “coxinha”. Basicamente seria como o bem o mal maniqueísta que ou você defende o bem (como uma tradicional propaganda de margarina), ou você defende o mal (o caos perpetuo de um show de heavy metal). Nitidamente, uma versão um pouco mais romântica do caos e harmonia grego clássico que vimos na mitologia e na filosofia. Só que todo esse fenômeno de opiniões é outro caso bem básico de acreditar em tudo que se ler, tudo que se escuta, tudo que pensamos, poder mudar nosso país e nossas vidas fazendo das redes sociais, rings de brigas desnecessárias e discussões vazias. Não que as pessoas são burras ou que não raciocinam, mas são analfabetos funcionais (não sabem interpretar uma notícia), e espalham ignorância cada dia mais.

Primeiro, você tem que analisar o que se ler numa forma social. Nisso devemos usar a fenomenologia, pois, tudo aquilo que está dentro de mim (a imanência) tem que transcender para além daquilo que eu acho certo. Husserl (filósofo alemão que viveu no começo do século XX), desenvolveu sua teoria a partir das considerações cartesianas mais propriamente dentro do “eu penso, logo existo”, onde, o “eu penso” é o “eu sou” que é imanência e o “logo existo” que é o “eu estou” que é a transcendência. Tudo que é imanente é o que o ente tem de essência ou que imutável perante a realidade, porque é o que o ser é e é por isso, que algo imanente é algo que não pode ser mudado. O “eu sou” é a natureza do ser humano segundo a construção dos seus valores, daquilo que ele é enquanto ser único dentro de uma realidade mutável. Então, o “eu sou” é imanente porque não muda, é inerente ao que podemos mudar. A existência é algo imanente, pois, eu existo porque percebo que estou pensando diante do que estou escrevendo no texto. A grosso modo, o ser enquanto consciência individual é imanente, a realidade que me cerca é transcendente. Daí a Husserl vai perceber uma coisa, para avaliarmos a realidade como ela é nós seres que temos consciência (somos imanentes enquanto alguns valores), necessitamos sair dentro do “eu sou” e entrar do “eu estou”.

A título de exemplo, termo da moda, vamos pegar o conhecido filósofo (assim chamam) Olavo de Carvalho e pegar o “carro chefe” das suas “loucuras” que chamam de filosofia, que o PT (partido dos trabalhadores) é um partido comunista. Ora, para uma análise profunda devemos analisar historicamente e não subjetivamente o caso, pois, o PT é um partido trabalhista e não comunista e outra, não sabem nem o que é sindicalismo, quanto menos, comunismo. Na verdade, os intelectuais que ajudaram a formar o partido eram em sua maioria, filhos da burguesia que queriam mudar o mundo e no meio desse processo, começaram a se corromper e a quebrar um monte de pontos éticos que não vou enumerar. O ponto é: a visão do Olavo (nada contra ele), é uma visão daquilo que ele carrega como valor ético e porque não, moral da sua vivencia no meio da guerrilha no tempo do militarismo e no meio da Guerra Fria. Então, a convicção que o Olavo de Carvalho tem do petismo é um comunismo que quer ainda dominar o mundo usando o populismo e as muitas bravatas que o Lula usa, mas que é uma visão imanente do Olavo que não existe mais. Ora, na essência (olha a imanência de novo), o petismo não é de todo errado e sim, a quebra de alguns valores que fizeram o petismo como uma ideologia errada. Tirando a utopia da igualdade (aí é uma discussão sobre a subjetividade humana em sua individualidade), a abertura da discussão das minorias (como guetos marginais), a discussão da modernização do Brasil (que em pleno século vinte um não aconteceu), foram importantes dentro da capacidade objetiva de uma evolução social. Mas isso não quer dizer que se tem o aval de quebrar estatais, de corromper instituições, acabar com setores essenciais com gerentes que foram indicados (não pela competência, claro), pegar dinheiro público para pagar dívidas partidárias e outras coisas. O que eu fiz foi a “transcendência na imanência”, ou seja, fui além da visão imanente que se tem do petismo e transcendi o que de importante houve dentro da discussão verdadeiramente, se foi um ato demagogo, daí é uma outra discussão. E outra coisa, não foi só o PT que corrompeu e não foi só um partido que corrompe a administração do nosso pais.

Segundo, o governo não governa só para você e sim, governa uma nação inteira. O que vejo no Facebook é que o pessoal pensa que o governo tem que governar para uma parcela, pois, ainda pensam que eles têm a obrigação de dar algo só para o indivíduo. Se reivindicamos escolas, são para todos, se reivindicamos transporte, são para todos, e não adianta achar que a sua religião é a mais certa do que a outra, porque a república é laica (o princípio da laicidade não é o ateísmo, mas que abrange todas as religiões). A noção cartesiana maniqueísta binaria (ufa!), nos faz ainda ter um lado certo para seguirmos e nem sempre vamos achar o caminho que se satisfaça como algo que acrescentara na vida. E por causa dessa visão, sempre haverá heróis oportunistas que vão sempre usar um dos lados e vão achar meios para convencer um desses lados. Por que devo escolher um lado? Por que devo ser dividido entre corpo e alma? Esse é o maior mistério da espécie humana, o conceito binário que nada acrescenta a sociedade.


Essa forma única (mesmo binaria é única), vem trazendo muitas coisas que não são verdade. Aliás, não existe verdades absolutas e nem pouco fatos eternos, porque um fato é uma sucessão de atos e uma sucessão de atos um dia acaba, não tem razão nenhuma de acontecer. Verdades são ditas e depois mudam, porque essas mesmas verdades são mutáveis, ou seja, se a 2500 anos atrás acreditávamos nos deuses olímpicos (falando de ocidente greco-romano), hoje se acredita no deus hebraico. As verdades são verdades enquanto são sustentáveis, enquanto duram as crenças e a cultura que sustente essas verdades, pois, quando essas verdades não têm nenhuma razão de existir, elas mudam. Hoje algumas insistem em ficar, mas são inúteis. 

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