sábado, 1 de outubro de 2016

Minha cadeira de rodas me fez ver a realidade











Por Amauri Nolasco Sanches Junior

Isso mesmo. Você, caro leitor, não leu errado não, a cadeira de rodas me fez ver a realidade do mundo e das pessoas. Ainda me fez ver outra coisa adormecida em mim que foi acordada pelo livro O julgamento de Sócrates do filósofo Platão. Eu me espantei com uma realidade que as “tias” da AACD tentavam me esconder, mas que por mais que vivemos em uma entidade “fofinha” que pinta um mundo cor-de-rosa, há uma outra realidade lá fora.

A primeira pergunta que me veio à cabeça foi: por que nasci com uma deficiência? Algumas pessoas querendo nos consolar dizem ser missão, dizem ser vontade divina, mas no fundo são meras formas de consolo. Claro que eu tenho a minha espiritualidade que me faz pensar de uma maneira particular. Mas naquele tempo onde eu ia em uma oficina abrigada, trabalhar por um salário baixíssimo, onde meu pai pagava para aprender uma profissão, era de se indagar várias coisas. Talvez, vendo hoje nessa ótica, a oficina era a nossa Matrix que nos dava um sonho, enquanto, mantínhamos a entidade e quando não servíamos mais, nos jogaram para fora.

A primeira realidade que me deparei no ano de dois mil, as pessoas querem você para alguma coisa, se você não serve mais, descarte. Essa “coisificação” do ser humano em sempre ver as pessoas não como pessoas, indivíduos que sentem e pensam, mais em objetos que são valorizados apenas enquanto servem um proposito. A reflexão fica mais interessante é quando você se depara com a mesma entidade, que “coisificou” (vamos adjetivar um substantivo para ficar mais humano e entendermos a problemática), a deficiência, dizer na tevê Associação de Amor a Criança Deficiente. Me deparei com a essência humana do interesse, do descaso do sentimento e da individualidade.

Concluo hoje, que somos pessoas (seres), que pensamos e sentimos apensar da deficiência. Claro, que cheguei a está conclusão graças aos inúmeros casos que vivi e vi ao longo dos meus 40 anos de vida. Não cheguei a uma conclusão o porquê da minha deficiência, mas vi que muitas pessoas gostam de falar nela quando querem fama e dinheiro. Nem para ganhar votos servimos como plano de governo. Mas tudo isso com minha cadeira de rodas. E com a minha cadeira de rodas vi um outro mundo, um filósofo sentado, enxerga mais o horizonte. Mas igual a morte, não penso muito na deficiência, pois penso que a deficiência é a existência minha enquanto algumas limitações, assim como a minha condição humana acaba sendo a minha essência. Sartre tinha razão, a existência vem primeiro do que a essência.

Depois tinha algo que me incomodava dês da adolescência, o amor. Junto vinha aquela pergunta clássica: pessoas com deficiência podem amar? Sim, podem. Mas com algumas restrições e preocupações que os familiares e a sociedade nos impõem. É como beber alguma bebida alcoólica, todo mundo faz, mas quando uma pessoa com deficiência faz, não pode. Escolher, também não pode. Fazer amor, também não pode. Várias regras que não podemos porque ainda a sociedade nos coloca num modo infantil. Eu, num exemplo simples, já fui rejeitado, já fui traído, já bateram o portão na minha cara só pelo fato da mãe não concordar com o namoro. Hoje sei que isso se chama preconceito. Também hoje sou noivo e me ponho no lugar de uma família o tempo todo sendo julgada pelos outros – se interessasse esse tipo de julgamento – sempre achando que teremos dificuldades, sempre teremos dificuldades adversas. Mas antes de tudo, não podemos prover o outro.

Eu vi nisso uma sociedade machista e antes de tudo, hipócrita. Primeiro: temos um pensamento, ainda, medievalista do imperfeito e o perfeito. Pessoas imperfeitas devem ser trancadas em instituições, porque são incapazes de trabalhar, de amar e fazer qualquer coisa que se queira. O pai e a mãe que não faz isso, é julgado como irresponsável. Como esse pai e essa mãe, deixa seu filho imperfeito por aí nos azucrinando? Como deixa seu filho imperfeito acha no direito de paquerar minha filha que é perfeita? Eu ter uma nora com cadeira de rodas? Ficou chocado? Não se choque. Na outra vez que olhar o Teleton, talvez, olhara com outros olhos. Não de piedade, mas um olhar cético de ter lido um texto de quem viveu e sentiu na pele aquilo.

A deficiência não é um prêmio. Nem muito menos uma desgraça. Apenas é o que ela é e ponto. Aconteceu e vivemos com ela, acostumar com ela não é aceitar o fato de ser deficiente, mas viver sem se importar muito com o que devo fazer ou sentir. Eu faço a filosofia da cadeira de rodas, uma filosofia que leve a reflexão e faça ver algumas coisas doloridas, algumas coisas que o faça chorar algumas vezes, mas o mundo tem a sua verdadeira face e a verdadeira face está na realidade e nem sempre o que vivemos é a realidade. Por que não devemos pensar? Por que não devemos amar e sentir?

Saia do Matrix! O filme mostra duas pílulas que Neo tinha que escolher e ele escolheu o mundo real, o mundo que não tem como escapar nem quando você joga Candy Crush. O jogo é virtual, mas o toque do mouse, as escolhas das jogadas, são inteiramente, suas. A realidade é que sempre somos conduzidos para coisas que não pensam, não amam, não escolhem, pois para quê afinal temos que escolher se temos o conforto de uma família que escolhe por nós? Por que devemos conquistar alguém se ninguém ama uma pessoa com deficiência? Porque somos humanos.

  Meu amigo virtual, o Fabricio, morreu no dia 17 de agosto desse ano aos 35 anos, mas deixou dois livros e um legado de eventos que quando era mais jovem, queria fazer. Me falava, quando existia o MSN, que sempre contava o que eu escrevia no meu blog, que eu tinha na época, para tua psicóloga. Talvez ele não se lembrava disso, a vida nos distanciou, mas eu não me esqueço dessas conversas. Ele realmente, com seu ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), fez sua filosofia da cadeira de rodas e sabia que não se alcança nada só reclamando em casa. Ele examinou a vida, fez, assim, valeu ser vivida.


Assim como eu refleti quando eu estava ali na oficina abrigada da AACD sendo rejeitado, vendo a vida passar contando pregos e parafusos para fechadura, o Fabricio também refletiu naquilo que leu. Hoje estou com 3 diplomas, estudei bem estudado e não me arrependo, fiz o que eu tinha para fazer. E você cara leitor? A essência da realidade sempre estará dentro das nossas próprias escolhas. 

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