Escola Estadual Rodrigues Alves, onde começou minha jornada filosófica e fica na Avenida Paulista |
Por Amauri Nolasco
Sanches Junior
Quando eu era pequeno, eu me encontrava
em pensamentos estranhos. Minha infância não era estranha por causa da deficiência
– acredite ou não, nunca dei muita importância para ela – mas pelos meus
pensamentos que na época, eu achava estranho. Primeiro, sempre ficava olhando
um terreno baldio na frente da casa onde eu morava e ficava imaginando o que
teria naquilo tudo. Claro, que na minha casa – pelo menos nesta casa – teria muitos
escorpiões e sapos que minha mãe tinha que ficar caçando e colocando em vidros
de álcool – na verdade só os escorpiões, os sapos meu pai jogava no terreno. Eu
morria de medo desses escorpiões, mas graças a Deus, ninguém da minha casa foi
picado por eles. Outros pensamentos eram atrelados ao que eu imaginava, pois,
eu sempre era aficionado por tecnologia. Até imaginei um transporte subterrâneo
para deficientes que nos levaríamos ao colégio onde estudávamos, o conhecido colégio
Rodrigues Alves que fica até hoje na Avenida Paulista (onde a AACD tinha uma
unidade, mas por razões obscuras, a diretora pediu as classes especiais). Era uma
mistura de metro e montanha russa.
A minha imaginação era muito
extensa e ia muito além do que eu próprio imaginava como limite dessa imaginação,
pois, eram ideias muito além do que poderíamos ter como realidade. Ficava fascinado
pelas naves do Star Wars (que tempos depois, bem mais tarde, descobri que o
Star Wars era além daquelas naves e tudo mais), pela tecnologia do Jornada nas
Estrelas (Star Trek), entre outros seriados. Mas eu queria ter mesmo era uma Supermáquina,
pois, adorava imaginar um carro que dirigisse sozinho, se guiava sozinho e tudo
mais. Até fiz uma lista de componentes para fazer uma supermáquina sozinho,
naquele tempo, não tinha muita noção das coisas que tenho hoje, era criança,
afinal. Era muita imaginação para pouca cabecinha, que voava dentro das minhas
ideias e não tinha ideia, que um dia amaria a filosofia como hoje, amo de paixão.
Talvez, isso era o começo das coisas que eu poderia formar ou imaginar como a
minha própria verdade, a minha própria questão do mundo onde estava vivendo.
Mas não era só na tecnologia, era
também na vida diária que eu ficava imaginando coisas. Lembro que no primeiro
dia, ficava imaginando o que seria aqueles buracos na parede do colégio onde
estudava e ficava imaginando sua serventia, que anos depois, era um sistema de ventilação
muito mais simples, e muito eficiente. Aqueles canos no teto, achava estranho
um quadro negro ser colorido por um pedaço de pó que chamavam de giz (tempos
depois, os quadros negros se tornaram brancos e começaram a ter canetões). Essa
estranheza do mundo não era compartilhada com meus colegas, tudo era normal
para eles e tudo fazia parte da realidade onde viviam, uns só queriam paquerar
e namorar (tempos depois eu também comecei a me apaixonar), outros só se
importavam em ficar revoltados pela sua deficiência e na maioria dos casos, eu não
tinha ninguém para compartilhar as minhas ideias. Eu era lucido em uma caverna
de sombras, onde eu via a luz da verdade e os meus amigos, viam as sombras. Daí
fingia que estava vendo estas sombras para não ficar ainda mais sozinho,
isolado em minhas próprias ideias.
Outro fato estranho era a
imaginar o que o cara do carro ao lado da Kombi da AACD, estava pensando, como
era a vida dele, o que ele pensava sobre a vida. Eu coloquei bem isso no meu
romance O Caminho, quando Vladimir está na ponte imaginando o que aqueles
motoristas lá embaixo estavam pensando. Sempre ficava perguntando o “porquê” os
bajuladores viravam chefes dos motoristas lá na AACD – que aliás, não tratavam
como deveria os pacientes deixando em porta de cemitério, faziam ele chorar até
se mijar todo e outras coisas mais – o “porquê” muitos profissionais que destratavam os pacientes eram protegidos. Era uma noção, um tanto primitiva, dos fundamentos
éticos e morais que eu viria a estudar muito tempo depois com a filosofia. E uma
coisa que sempre me intrigou: por que tínhamos que ser separado dos demais no colégio?
Por que não podemos ter um convívio dentro do que achamos ser normais? Como disse,
já era um questionário ético e muito me envolveu dentro da minha adolescência quanto
ao que referimos a paixão.
Mas o que é a paixão? Paixão não é
amor, amor é natural daquilo ou alguém que se ama, paixão é aquilo que tem obsessão
e sofrimento. Etimologicamente, paixão tem a mesma raiz de paciente, pois, vem
do grego “pathos” e não à toa, a palavra patologia se refere a doença, ao
sofrimento psicológico ou físico. Claro, que descobri isso após, mais ou menos,
20 anos depois de ter as minhas paixões, muitas vezes, platônicas que me
levaram ao sofrimento. Mas sofrer não é ruim, sofrer muitas vezes, te faz
crescer e virar uma pessoa forte e assim me sinto. Se o motorista me encheu o
saco, se as professoras me encheram o saco, se as garotas não me queriam como
namorado (por causa da deficiência), pouco importa, hoje sou um homem
completamente vivido o bastante para ter um relacionamento e não cair em
armadilha da vida. Mas naquele tempo, eu não tinha nem ideia do que seja isso e
ficava imaginando o porquê disso tudo, o porquê que as garotas aceitavam uns e não
aceitavam outros. Hoje sei que isso tem a ver com a cultura, tem a ver com a família,
tem a ver com o íntimo de uma ou um, adolescente. Quando falamos de adolescente
falamos de pré-adulto, falamos da aceitação do nosso meio e esse meio é
importante, porque buscamos a aceitação daquele meio. Em meio de paixão e de
amor eu posso dizer que não tenho nada a acrescentar, pois, tive 3 namoros de
verdade e essas 3 pessoas, foram importantes dentro do meu íntimo e pode ter
certeza, o verdadeiro e mais importante amor que eu tive, e tenho, é o meu
noivado agora. Mas todas me foram importantes para a construção do meu ser.
Na verdade, o ser não é meu,
porque o ser é a totalidade da verdadeira realidade, pois, ela só é o encontro
de si mesmo. Mas o “meu” é um grande egoísmo de um ser que teve tantas pessoas
envolvidas, sempre tive ideias do mundo que vivi. A banalidade e não banalidade
não é o que o outro faz ou não faz, a banalidade é não saber quem você mesmo é,
a natureza do nosso eu mesmo. O “ego” é o nosso pequeno eu e o “self” é o nosso
eu superior, aí para você tirar essa banalização da sua vida, tem que fazer
esse grande avanço e deixar o “ego”. Por muito tempo eu também fiquei falando
mal dos outros, também fiquei atrelado em coisas mesquinhas, mas quando eu
decidi que seria um escritor filosofo, eu decidir algo dentro do “self” e
deixei tudo de lado e me dediquei o meu tempo, dês de então, a isto tudo como
se acordasse um dia do mundo virtual, e acordasse para o mundo real e dissesse “basta!
Não quero mais ser o que os outros querem”, não quero mesmo, pois, acho que um
filosofo não é aquele que tem uma retorica invejável, e sim, aquele que tem uma
visão geral do mundo onde vivemos. Eu sou muito seguro enquanto a isto, quando
eu deixei o banal – não só no discurso, mas verdadeiramente – e me dediquei
aquilo que sempre fui enquanto ser que pensa, o ser que sente e tem vontade próprias
para tal.
Dês de criança, eu sempre gostei
de brinquedos simples, sempre gostei de brincadeiras simples, porque sempre
gostava de praticidade e nunca de complicação. Para mim até hoje, gosto de
achar que pau é pau, pedra é pedra, mas existem coisas que precisam explicar,
um ato tem uma causa e essa causa tem que ser explicada. Por que existiam uma
ala de deficientes que tinham que ficar numa oficina abrigada? Por que as
pessoas ficavam ou ficam nervosas comigo? Por que existiam tanta proteção em
certas situações? E nesses 40 anos de minha vida, ninguém me explicou nada, só me
disseram que é assim e não vai mudar. Não acho, acho que o humano vai um dia se
encher de ser “zé ninguém” e vai evoluir sempre.
Assim, dês da infância acho que
procuro o porquê disso, o porquê da vida, o porquê da deficiência e o porquê as
pessoas complicam tanto a vida. Eu sempre vi mais do que os outros, sempre
achei que eu era um extraterrestre, hoje sei que não (talvez em espirito, mas é
um papo para outro texto). As limitações das pessoas são limitações daquilo que
são da natureza dela, ela só sabe ser o que ela é e ponto. Muito talvez, mesmo,
eu seja a exceção onde a regra é ser medíocre. E você, quer ser medíocre?
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