segunda-feira, 15 de maio de 2017

Mães de verdade!






Por Amauri Nolasco Sanches Junior

Diante desse dia – que muitos dizem ser um dia totalmente comercial – devo ser o escritor que deve escrever sobre mães, mas não são mães quaisquer, são mães de pessoas com deficiência. A um tempo atrás, uma colega que é deficiente auditiva, escreveu em seu Facebook que ficava indignada que ninguém escrevia ou mencionava essas mães que enfrentam de tudo para que seus filhos tenham um tratamento digno de ser chamado de tratamento. Fui muitas vezes, testemunha da forma humilhante que é enfrentar um poder público incompetente e que é totalmente fracassado quando a modalidade é acessibilizar e incluir pessoas com deficiência. Eu já escrevi isso no artigo:  “A VISÃO DA INCLUSÃO DE UM CADEIRANTE ANARQUISTA”, onde falo o quanto somos tratados com desprezo pelo poder público que criou o conceito que somos excluídos para acharmos que eles nos incluem, e sim, eles mesmos fazem isso. O nosso tratamento não é feito de qualquer jeito? Qual remédio tem em postos de saúde? Nosso transporte sempre fica por último, nosso tratamento, nossos medicamentos, existem máfias que desviam verba pública (eu li em algumas matérias) para a compra de aparelhos pelo SUS. A educação é péssima e existem sorteio para acessibilizar escolas, acessibilizar vias públicas e existem bilhões de reais destinados em impostos.

Bom, todos nós sabemos que nossas mães fizeram sempre o que puderam para dar a nós uma vida mais ou menos, confortável diante da deficiência e diante de tanta incompetência estatal. Nosso país sempre no período de mais desenvolvimento, também, evolui para quadros devasto de corrupção e desprezo pela ordem. Quem acredita em uma moral tacanha, apoia um conservadorismo hipócrita, quem acredita em mudança, acredita em uma ideologia que é utópica. Entre interesses escusos, entre a cultura contaminada pelo que é vantajoso para meia dúzia de famílias e politicas estrangeiras, levaram o nosso país a não só uma ditadura, mas muitas e a última sucateou o progresso, sucateou as escolas e a redemocratização gostou disso. A questão é: o nosso país não pode se desenvolver ou os nossos governantes não querem esse desenvolvimento? A questão não é respondida, a questão e projetada, a questão não é nem perguntada. Se hoje é assim, imagina antigamente nos anos 80 e nos anos 90 onde o país não tinha nada de acessibilidade e não tinha nada de educação. Por isso mesmo acho ridículo terem exigido cotas para empresas e não terem exigido cotas em universidades, cotas para escolas públicas, cotas para nos prepararmos. Mas como sou um libertário, foda-se a questão, porque a questão deveria ser: por que existe o ESTADO?

Minha mãe como outras mães – até a mãe da minha noiva – sempre buscaram tratamentos para a nossa melhoria. Eu inicialmente, tive tratamento do SESI e depois na AACD, onde tivemos quadros de melhoria muito pouco eficazes, hora porque o fundador tinha falecido, hora que não tinha fiscalização e aonde recorrer. Hoje com o mundo digital, a coisa é mais ou menos, mais decisiva do destino de um tratamento, mas não muito, já que um médico (nem todos), nem sabe o CID da sua deficiência. Como um médico não sabe o CID de uma deficiência?  Como ainda há, centros de reabilitação, que não tem aonde desembarcar, não existe rampas construídas adequadamente e por aí vai? Imagina num período pós ditadura? Imagina num período que a inflação chegava a 400% por mês? Imagine seu filho andar numa Kombi velha amarrado num cinto de segurança fajuto, sem ter a menor comunicação, podendo eventualmente, ter um acidente por falta de leis de transito mais eficazes? Essa era a vida da minha mãe e das mães dos meus colegas, que além dessas preocupações, ainda tinham que aguentar ignorância de motoristas que achavam do direito de reclamar do caminho. Tinha que aguentar médicos que ao invés de consultar, ou tratava nossa deficiência com desdém, ou a cada consulta, tomavam café. Acho que a maior parte das doações dessa entidade, são para comprar quilos e mais quilos de café – fora o que muitos pais pagam – porque era um escândalo as vezes que eu via tomar café.

Nossas mães tinham que aguentar essa afronta a dignidade humana, essa loucura institucional de uma entidade que se sentia a rainha das outras entidades, que hoje, graças a Deus, está perdendo a majestade. Além de ter outras entidades que tem um pouco mais de competência, tem um pouco mais de ética e hoje existe um pouco mais de fiscalização – tá ok, estou muito otimista – que gera uma certa ética. Para dar um exemplo claro do que a nossas mães aguentavam, eu fui quase amarrado nessa entidade pelo dentista, minha mãe morreu ainda acreditando que meu pé direito é o mais virado, mas me disseram a pouco tempo, a bacia que é virada. Como uma entidade tem esse tipo de erro? Como ela tem um título de melhor entidade da America Latina se ela erra uma coisa básica como esta? Mas, minha mãe como muitas mães, acreditaram na melhora dos seus filhos e acreditaram o que essas entidades diziam como fosse o melhor a se fazer.

Dessa entidade eu não quero falar mais, me irrita profunda ver gente que ainda duvida da nossa palavra, pessoas que sofreram cirurgias e em alguns casos, houve até piora, são tidas como mentirosas. Mas, com um povo que acredita em tudo que vê na internet, quem dirá acreditar tudo que vê na televisão com bravatas sem sentido? Isso é o pensamento dominante positivista que a ciência cura tudo, como na idade média, a igreja e seus milagres eram a grande curadora. Há explicações cientificas para os milagres como, há explicações cientificas para erros médicos, erros de conduta, até mesmo, falta de ética. A ciência não é nada, foi feita por humanos, não vai nos curar e não vai fazer nada por enquanto. Temos que aceitar essa realidade, estamos numa cadeira de rodas, acostuma-se, mas também, não ame sua cadeira de rodas mais do que sua mãe.

Ainda teve soluções paliativas dentro do poder público. Para ter uma ideia, nas minhas observações, o poder público é um grande fracassado em incluir pessoas com deficiência nas escolas. Por que? Primeiro, não há transporte de verdade, somente poucos ônibus adaptados, poucas vans acessíveis, ainda uma legislação que só “quebra um galho”. Lá nos anos 90 – porque estudei até a 4º serie na tal entidade nas suas classes especiais – minha mãe optou por me colocar em uma oficina abrigada de trabalho (que eu brincava que era: “Oficina Obrigada de Trabalho”, porque não podíamos nada), porque não tinha aonde eu terminar meus estudos. Então, foi 8 anos de 4º serie, muitos livros lidos, mas ninguém para conversar de verdade sobre do que eu lia. Eu “poderia confundir” os que ali estavam, eu era um rapaz sozinho moralmente. Minha mãe, no fundo, sentia uma dor imensa de achar seu filho uma pessoa capaz, mas não ter o mínimo para se educar. Ela fez o que pôde para ela mesma, incentivar essa capacidade e arranjava livros, meus irmãos levavam livros para casa e muitos colegas me emprestavam. Quando eu entrei no supletivo aos 26 anos em 2002, muitos dos professores perguntavam: “O que eu estava fazendo ali? ”, porque eu levava meus livros de filosofia (Os Pensadores que vieram com a Folha de 1998 e que tenho até hoje, a 19 anos). Quando ingressei na universidade – que não terminei por causa que a UNIP não me deu bolsa de estudo nem oferecendo de eu trabalhar lá, para o Vampeta eles deram – em 2006 que foi uma luta, porque o ATENDE só queria liberar o carro depois de 15 dias após o começo do curso. Ora, como poderíamos ou podemos começar a estudar, após 15 dias do começo do curso? Como poderíamos acompanhar um curso desse jeito? E pensam que melhorou? Nada. Hoje em dia você tem que mandar dois meses antes, tem que consultar o vidente para saber se você vai estudar, se você vai trabalhar e etc. minha mãe chorou no telefone, pediu, implorou, mandei para a secretaria das pessoas com deficiência municipal (na época a dep Mara Gabrilli), mas nada se pode fazer.

Hoje em dia eu tenho três diplomas – publicidade, técnico de informática e filosofia – graças ao meu próprio mérito, ficar falando, exigindo uma melhor relação entre eu e o poder público. Minha mãe faleceu de câncer aos 59 anos no dia 11 de novembro de 2012, não viu o meu TCC de informática onde fez a matricula e acreditou em mim e acreditou na minha noiva, também. Não viu meu diploma de filosofia tao sonhado por mim, não viu minhas outras conquistas, mas sei que sempre acreditou na minha capacidade de embrenhar-se na área do conhecimento. Hoje eu sou um intelectual – sou mesmo, nerd de carteirinha do star wars – graças ao empenho dessa mulher que além de acreditar em mim, acreditava na capacidade de muitos e gostava de todos que estavam no meu convívio. Se decepcionou com muitos amigos meus, achava que todos eram iguais a mim e a minha noiva, tinha ética de não atacar o próprio amigo, se enganou. Mas, nunca deixou eu ter rancor deles, sempre perdoar, assim, são muitas mães que lutaram e lutam por um futuro melhor com seus filhos com deficiência.


A elas, meus respeito e minha admiração! 



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