Por Amauri Nolasco
Sanches Junior
Diante desse dia – que muitos dizem ser um dia totalmente
comercial – devo ser o escritor que deve escrever sobre mães, mas não são mães quaisquer,
são mães de pessoas com deficiência. A um tempo atrás, uma colega que é
deficiente auditiva, escreveu em seu Facebook que ficava indignada que ninguém
escrevia ou mencionava essas mães que enfrentam de tudo para que seus filhos
tenham um tratamento digno de ser chamado de tratamento. Fui muitas vezes,
testemunha da forma humilhante que é enfrentar um poder público incompetente e
que é totalmente fracassado quando a modalidade é acessibilizar e incluir
pessoas com deficiência. Eu já escrevi isso no artigo: “A VISÃO DA INCLUSÃO DE UM CADEIRANTE ANARQUISTA”, onde falo o quanto somos tratados com desprezo pelo poder público
que criou o conceito que somos excluídos para acharmos que eles nos incluem, e
sim, eles mesmos fazem isso. O nosso tratamento não é feito de qualquer jeito? Qual
remédio tem em postos de saúde? Nosso transporte sempre fica por último, nosso
tratamento, nossos medicamentos, existem máfias que desviam verba pública (eu
li em algumas matérias) para a compra de aparelhos pelo SUS. A educação é
péssima e existem sorteio para acessibilizar escolas, acessibilizar vias públicas
e existem bilhões de reais destinados em impostos.
Bom, todos nós sabemos que nossas mães fizeram sempre o que
puderam para dar a nós uma vida mais ou menos, confortável diante da
deficiência e diante de tanta incompetência estatal. Nosso país sempre no
período de mais desenvolvimento, também, evolui para quadros devasto de
corrupção e desprezo pela ordem. Quem acredita em uma moral tacanha, apoia um
conservadorismo hipócrita, quem acredita em mudança, acredita em uma ideologia
que é utópica. Entre interesses escusos, entre a cultura contaminada pelo que é
vantajoso para meia dúzia de famílias e politicas estrangeiras, levaram o nosso
país a não só uma ditadura, mas muitas e a última sucateou o progresso,
sucateou as escolas e a redemocratização gostou disso. A questão é: o nosso
país não pode se desenvolver ou os nossos governantes não querem esse
desenvolvimento? A questão não é respondida, a questão e projetada, a questão
não é nem perguntada. Se hoje é assim, imagina antigamente nos anos 80 e nos
anos 90 onde o país não tinha nada de acessibilidade e não tinha nada de
educação. Por isso mesmo acho ridículo terem exigido cotas para empresas e não
terem exigido cotas em universidades, cotas para escolas públicas, cotas para nos
prepararmos. Mas como sou um libertário, foda-se a questão, porque a questão
deveria ser: por que existe o ESTADO?
Minha mãe como outras mães – até a mãe da minha noiva – sempre
buscaram tratamentos para a nossa melhoria. Eu inicialmente, tive tratamento do
SESI e depois na AACD, onde tivemos quadros de melhoria muito pouco eficazes, hora
porque o fundador tinha falecido, hora que não tinha fiscalização e aonde
recorrer. Hoje com o mundo digital, a coisa é mais ou menos, mais decisiva do
destino de um tratamento, mas não muito, já que um médico (nem todos), nem sabe
o CID da sua deficiência. Como um médico não sabe o CID de uma deficiência? Como ainda há, centros de reabilitação, que
não tem aonde desembarcar, não existe rampas construídas adequadamente e por aí
vai? Imagina num período pós ditadura? Imagina num período que a inflação
chegava a 400% por mês? Imagine seu filho andar numa Kombi velha amarrado num
cinto de segurança fajuto, sem ter a menor comunicação, podendo eventualmente, ter
um acidente por falta de leis de transito mais eficazes? Essa era a vida da
minha mãe e das mães dos meus colegas, que além dessas preocupações, ainda
tinham que aguentar ignorância de motoristas que achavam do direito de reclamar
do caminho. Tinha que aguentar médicos que ao invés de consultar, ou tratava
nossa deficiência com desdém, ou a cada consulta, tomavam café. Acho que a
maior parte das doações dessa entidade, são para comprar quilos e mais quilos
de café – fora o que muitos pais pagam – porque era um escândalo as vezes que
eu via tomar café.
Nossas mães tinham que aguentar essa afronta a dignidade humana,
essa loucura institucional de uma entidade que se sentia a rainha das outras
entidades, que hoje, graças a Deus, está perdendo a majestade. Além de ter
outras entidades que tem um pouco mais de competência, tem um pouco mais de
ética e hoje existe um pouco mais de fiscalização – tá ok, estou muito otimista
– que gera uma certa ética. Para dar um exemplo claro do que a nossas mães
aguentavam, eu fui quase amarrado nessa entidade pelo dentista, minha mãe
morreu ainda acreditando que meu pé direito é o mais virado, mas me disseram a
pouco tempo, a bacia que é virada. Como uma entidade tem esse tipo de erro?
Como ela tem um título de melhor entidade da America Latina se ela erra uma
coisa básica como esta? Mas, minha mãe como muitas mães, acreditaram na melhora
dos seus filhos e acreditaram o que essas entidades diziam como fosse o melhor
a se fazer.
Dessa entidade eu não quero falar mais, me irrita profunda
ver gente que ainda duvida da nossa palavra, pessoas que sofreram cirurgias e
em alguns casos, houve até piora, são tidas como mentirosas. Mas, com um povo
que acredita em tudo que vê na internet, quem dirá acreditar tudo que vê na televisão
com bravatas sem sentido? Isso é o pensamento dominante positivista que a ciência
cura tudo, como na idade média, a igreja e seus milagres eram a grande
curadora. Há explicações cientificas para os milagres como, há explicações cientificas
para erros médicos, erros de conduta, até mesmo, falta de ética. A ciência não é
nada, foi feita por humanos, não vai nos curar e não vai fazer nada por
enquanto. Temos que aceitar essa realidade, estamos numa cadeira de rodas,
acostuma-se, mas também, não ame sua cadeira de rodas mais do que sua mãe.
Ainda teve soluções paliativas dentro do poder público. Para
ter uma ideia, nas minhas observações, o poder público é um grande fracassado
em incluir pessoas com deficiência nas escolas. Por que? Primeiro, não há transporte
de verdade, somente poucos ônibus adaptados, poucas vans acessíveis, ainda uma legislação
que só “quebra um galho”. Lá nos anos 90 – porque estudei até a 4º serie na tal
entidade nas suas classes especiais – minha mãe optou por me colocar em uma
oficina abrigada de trabalho (que eu brincava que era: “Oficina Obrigada de
Trabalho”, porque não podíamos nada), porque não tinha aonde eu terminar meus
estudos. Então, foi 8 anos de 4º serie, muitos livros lidos, mas ninguém para
conversar de verdade sobre do que eu lia. Eu “poderia confundir” os que ali
estavam, eu era um rapaz sozinho moralmente. Minha mãe, no fundo, sentia uma
dor imensa de achar seu filho uma pessoa capaz, mas não ter o mínimo para se
educar. Ela fez o que pôde para ela mesma, incentivar essa capacidade e
arranjava livros, meus irmãos levavam livros para casa e muitos colegas me
emprestavam. Quando eu entrei no supletivo aos 26 anos em 2002, muitos dos
professores perguntavam: “O que eu estava fazendo ali? ”, porque eu levava meus
livros de filosofia (Os Pensadores que vieram com a Folha de 1998 e que tenho
até hoje, a 19 anos). Quando ingressei na universidade – que não terminei por
causa que a UNIP não me deu bolsa de estudo nem oferecendo de eu trabalhar lá, para
o Vampeta eles deram – em 2006 que foi uma luta, porque o ATENDE só queria
liberar o carro depois de 15 dias após o começo do curso. Ora, como poderíamos ou
podemos começar a estudar, após 15 dias do começo do curso? Como poderíamos acompanhar
um curso desse jeito? E pensam que melhorou? Nada. Hoje em dia você tem que
mandar dois meses antes, tem que consultar o vidente para saber se você vai
estudar, se você vai trabalhar e etc. minha mãe chorou no telefone, pediu,
implorou, mandei para a secretaria das pessoas com deficiência municipal (na época
a dep Mara Gabrilli), mas nada se pode fazer.
Hoje em dia eu tenho três diplomas – publicidade, técnico de
informática e filosofia – graças ao meu próprio mérito, ficar falando, exigindo
uma melhor relação entre eu e o poder público. Minha mãe faleceu de câncer aos 59
anos no dia 11 de novembro de 2012, não viu o meu TCC de informática onde fez a
matricula e acreditou em mim e acreditou na minha noiva, também. Não viu meu
diploma de filosofia tao sonhado por mim, não viu minhas outras conquistas, mas
sei que sempre acreditou na minha capacidade de embrenhar-se na área do
conhecimento. Hoje eu sou um intelectual – sou mesmo, nerd de carteirinha do
star wars – graças ao empenho dessa mulher que além de acreditar em mim,
acreditava na capacidade de muitos e gostava de todos que estavam no meu convívio.
Se decepcionou com muitos amigos meus, achava que todos eram iguais a mim e a
minha noiva, tinha ética de não atacar o próprio amigo, se enganou. Mas, nunca
deixou eu ter rancor deles, sempre perdoar, assim, são muitas mães que lutaram
e lutam por um futuro melhor com seus filhos com deficiência.
A elas, meus respeito e minha admiração!
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