terça-feira, 11 de julho de 2017

Fora da ciência não tem salvação?



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Por Amauri Nolasco Sanches Junior

Alguns artigos científicos estão com erros muito grandes para serem artigos científicos, pois, abre uma discussão muito maior e é claro, faz apologia algumas posições ideológicas. Antes de entrar a cerne do problema temos que entender duas coisas importantes: primeiro a etimologia do termo ciência, outra coisa é, como a ciência funciona e como ela procede. Primeiro, o termo ciência vem do latim “scientia” que quer dizer conhecimento, que por sua vez, era um termo para traduzir o termo grego “episteme”. O grego, principalmente depois de Platão, definiu ‘episteme” como o conhecimento verdadeiro, o conhecimento cientifico. Ou seja, a ciência além de ser um conhecimento, ainda deve ser o conhecimento verdadeiro num modo cientifico. Resta-nos saber o que é o verdadeiro, a essência de todas as coisas, o que é, sendo. A epistemologia estuda esse fenômeno cientifico além do fenômeno das crenças – ou deveria ser assim, já que muitos cientistas ainda acreditam cegamente – pois, tem que estar atrelado ao que é visto e comprovado dentro de experimentos que provam a sua veracidade ou, um pensamento lógico que não nos coloca dúvidas.

Segundo, todo o pensamento cientifico deve ser refutado dentro da sua veracidade ou não, ou seja, se a hipótese não pode ser refutada, ela não pode ser cientifica. O homem pisou na Lua é um pensamento cientifico que pode ser refutado, porém, se foi ou não, cabem as partes provar ou não esse fato. A questão primordial é: se devemos refutar a ciência como tal, por que os cientistas não aceitam essa refutação? Lendo um artigo do blog Universo Racionalista chamado: “A CIÊNCIA É UM BEM UNIVERSAL QUE NÃO PODE ESTAR FORA DEDISCUSSÃO”, o redator ou os redatores do texto (é uma tradução de um site paraguaio), há erros que não deveriam conter sendo pretenciosos demais. Afinal, repetindo a perguntar título do texto, fora da ciência não há salvação?

O texto começa do erro de impor um termo para sobrepujar um simbolismo: “Até o século VI da ERA COMUM, nas colônias gregas, onde, hoje, é a Turquia, alguns homens atreveram-se a conjecturar sobre a natureza das coisas, sem recorrer a mitos ou religiões”. Poderemos fazer a seguinte pergunta: qual a diferença do termo Antes de Cristo e Antes da era Comum? Para começar, não podemos negar que muitas bases éticas e morais, foram construídas graças ao advento do cristianismo. Embora, o cristianismo após Constantino I, foi usado pelo Estado romano para controlar e corromper a população e na idade média, isso piorou centenas de vezes. Cristo e cristianismo são coisas distintas – embora as pessoas comodamente, coloquem no mesmo balaio – pois, Jesus não fundou nada e não quis controlar nada, e no mais, na questão da existência ou não dele, não acho que há uma resposta definitiva. Porém, Jesus como o Cristo (do grego kristós que quer dizer ungido), é um símbolo moral e deveria ser seguido como um ser que atingiu algumas instancias morais muito além da sua época (assim, como Sócrates, Platão e Aristóteles). Então, não há o porquê de tirar Antes de Cristo como se fosse um bando de adolescente querendo contestar o pai. Outro ponto, o que seria comum? Já que estamos falando de um conhecimento, uma era comum, seria notoriamente, contraditório.

Outra coisa desse mesmo parágrafo é, qual a prova concreta que a ciência tem, que os primeiros filósofos não usaram os mitos e as religiões? Tales de Mileto, por exemplo, disse que tudo vinha da água, mas sabemos disso graças a um fragmento muito que pequeno transcrito de algum outro filósofo. Não há como saber todo o contexto que ele disse isso ou escreveu, pode ser, como Anaximandro, que todas as coisas foram formadas pelo ÁPARION (realidade infinita, iluminada, invisível e indeterminada que é a essência de todas as formas do universo). Se temos em Anaximandro, um elemento primordial a partir do qual todos os seres foram gerados e para o qual retornam após a sua dissolução, Tales sendo “filho do seu tempo”, não poderia ter o mesmo pensamento sobre a água? Na verdade – isso mostra a ignorância dos redatores do texto – Tales dizia que tudo está repleto de deuses e esses havia um só princípio (que muitos colocam como Deus). Há erros muito grave de alguns pensadores e de alguns filósofos – como o Olavo de Carvalho e outros – em querer analisar as questões de antigamente como conceitos morais contemporâneos e não tem como, pois, ao analisar um pensamento, se deve pensar dentro de uma certa anacronia. Dentro do estudo filosófico e cientifico, o anacronismo é muito importante e evita o erro.

Ainda dentro do texto: “Ele foi ainda mais longe: afirmou que a Terra não pode ser um disco que flutua sobre a água, porque algo deveria conter essa água. Na ausência de razões para mover-se em qualquer direção, a Terra deveria simplesmente flutuar equidistante de tudo, concluiu. Portanto, ela não precisa de suporte.”. Diz ainda o autor do texto: “Ele tinha inventado o princípio de razão suficiente 2.000 anos antes de Leibniz redescobri-lo.”. Espera aí, vamos entender uma coisa: segundo o autor ou os autores do texto, os primeiros pensadores não usaram de mitos ou religiões para explicar fenômenos físicos (naturais se preferirem). Por que Tales de Mileto usou da mitologia – já que a ideia que a terra era plana não era nova e nem flutuando nas águas – para explicar o porquê a Terra e o porquê o mundo existe? Tanto Tales como Anaximandro, defendem uma substancia não muito material (o ápairon [sem limites], a água [limpeza e força]), mas substancias (ousia) que fazem parte da questão psicológica. O autor esqueceu de mencionar Heráclito e Parmênides, pois, o ser enquanto ser e o devir como uma mudança continua que levara a ciência que estuda a consciência e a mente (psicologia). Ou seja, eles não estão falando de substancias primordiais, mas substancias que atendem a um processo de aparição. A água é apenas uma substancia do processo da aparição e por outro lado, ele dizer que tudo é húmido não quer dizer que ele concebeu que tudo veio da água e tudo isso é uma tentativa de investigação empírica. Não podemos saber. O que podemos presumir é a ideia, possivelmente, que pode ter origem a esse pensamento.

Se há um processo de surgimento quem começou com esse processo? Ter corpos húmidos, não quer dizer que viemos da água. Porém, nenhum cientista descobriu o porquê materiais inanimados, ácidos, minerais, se juntaram e deram forma de vida. As certezas de artigos científicos, não condizem com as pesquisas que estão em andamento, porque não há nada de concreto. Nesse sentido há um erro, pois, não era relevante procurar só uma substancia dentro da criação e vamos convir, a geração espontânea – claro que não a bíblica que tudo já nasceu formado – não está descartada, nem que tudo veio da água foi descartado. Eu desconfio de artigos que já demostram uma certa “verdade” construída.

Vamos diante do artigo e encontramos isso: “Depois de Sócrates, a busca do conhecimento incluiu os aspectos éticos da vida humana.”, isso que dá cientistas escreverem artigos de filosofia. Sócrates não desenvolveu pensamentos éticos, mas desenvolveu o modo racional de ver as coisas, e aí sim, conhecer a si próprio e avaliar a sua própria conduta ética. O “ETHOS” grego era muito mais do que a própria ética que temos hoje, não é à toa que é traduzido como caráter, porque para o mundo grego, o caráter era muito mais importante do que a polis. Seguindo a diante temos:

“Na Grécia clássica desenvolveu uma visão de mundo baseada em um método para obter conhecimento, o que resultou em ferramentas que ajudaram a transformar a realidade, da medicina à engenharia social (não é coincidência que a democracia foi instituída pela primeira vez no período grego clássico). “.

Vamos entender uma coisa, a Grécia clássica não desenvolveu nada, quem desenvolveu alguma coisa foram os filósofos e pessoas que tinham curiosidade de descobrir alguma coisa. Qualquer um que estude verdadeiramente a Grécia clássica (Hellas), sabe que não haviam uma nação em união mesmo, mas cidades-estados com a mesma cultura.  Aliás, isso é básico para escrever qualquer texto sobre os gregos (helênicos), pois, se você não souber isso, não poderá nem começar a escrever o texto sobre. Depois não havia uma medicina, e sim, pessoas que estudavam o corpo humano e de curas por plantas que já na época aconteciam. A única dúvida que tenho e sempre tive é: o que é engenharia social? A definição que encontrei no Google foi que a engenharia social é o termo utilizado para descrever um método de ataque, onde alguém fez uso da persuasão, muitas vezes, abusando da ingenuidade ou confiança para obter informações que podem ser utilizadas para ter acesso não autorizado a computadores ou informações. Isso cabe em uma Grécia clássica? Será que a democracia ateniense – porque a cultura grega clássica era monárquica e tirânica – foi por causa da tal engenharia social? Para mim, a engenharia social é a muleta do deficiente que não quer assumir sua deficiência, ou seja, sempre se bota a culpa da sua incompetência cultural e mental, em alguma coisa.

No texto, além da gafe grande de transformar a democracia ateniense em uma engenharia social – ingenuamente ou não – transforma essa procura de substancia primordial, dizendo ainda, que é uma ciência. Para mim, pessoalmente, parece que o autor do texto está “cagando um monte” para a filosofia e os reais pensadores e os “inteligentes” da época são os pesquisadores da “phisys”. Sócrates, Platão e Aristóteles foram “místicos” que tentaram dar um ar “psicológico” e que a psicologia é apenas uma pseudociência, não exagerando ou sendo irônico, até mesmo o filósofo alemão Nietzsche riria disso (mesmo escrevendo contra Sócrates e Platão). Ainda mais que o próprio filósofo, escreve uma crítica muito voraz a ciência no seu livro Gaia Ciência, onde ele prevê toda essa reverencia quase ou totalmente sagrada, da ciência empírica. Depois ele diz: “As condições para que seja socialmente possível voltar a investigar o mundo de uma forma racional só voltou no final da Idade Média, quinze séculos mais tarde.”. E a era de ouro islâmica? Ou o texto faz parte de uma conotação ideológica ocidental? Não podemos negar que muita pesquisa da ciência medica e da ciência teórica – como pesquisas matemáticas, físicas, geométricas e outras – foram feitas pelos islâmicos nesta época e por outro lado, a Europa não parou suas pesquisas. Somos influenciados pelos iluministas que exageraram da racionalização e renegaram por completo a metafisica, mas quem estuda verdadeiramente a filosofia, não pode renegar a metafisica porque não sabemos a verdadeira natureza da realidade.

Continuando o colóquio cientifico: “O renascimento da visão racional de mundo, e o aperfeiçoamento do método que, hoje, chamamos de científico voltou a aparecer na Europa – em especial, graças a pensadores e pesquisadores como Grosseteste, Bacon e Galileu. ”. Impressão minha ou o autor do texto renegou Giordano Bruno? E outra coisa, ainda muito mais importante, ele ignora os métodos científicos e ignora que sem Rene Descartes, a ciência não teria uma base para pesquisas cientificas. Isso mostra o quanto o autor estudou para escrever tal obra, porque, o mundo é muito mais do que uma linha temporal ocidental e mostra o quanto a América Latina está atrasada nas pesquisas históricas, educacionais e cientificas. Mostra também, vícios muito complexos dentro da linha de escrita de artigos como este, onde há sim uma questão ideológica que mostra o quanto estamos gatinhando nesse tipo de coisa. Num outro momento do texto ele coloca: “Estaríamos errados, no entanto, se pensássemos que a ciência tenha chegado para ficar, ou que ela não pode desaparecer. Como toda atividade humana, ela está subordinada a evolução sistêmica das sociedades nas quais vivem as pessoas que a desenvolvem. As políticas implementadas nestas sociedades têm um impacto direto na atividade científica. As políticas anticientíficas, ou que ignoram a ciência podem fazer com que ela desapareça e a sociedade retroceda. ”. Quem está fazendo campanhas anticientíficas? Acho que temos que separar as coisas, aqueles que são fanáticos religiosos que não aceitam a ciência como método de melhoramento de vida (que tem a ver com o Estado), outra coisa é a crítica de refutação dos métodos científicos dentro de uma base também cientifica. A questão é: qual base de pesquisa é cientifica ou não? Qual base devemos seguir? Sempre lembrando que não pode ser ciência se não pode ser refutado.  

Vale lembrar também que tivemos governos ateus como o governo soviético, que tiveram pesquisas cientificas e mataram pessoas no mesmo modo que os fanáticos religiosos. Mas o autor só coloca no ponto do fanatismo religioso: “Sobram exemplos recentes: Camboja nos anos 1970-1980, sob o regime de Khmer Rouge, voltou à Idade da Pedra em apenas alguns anos. Os países do Oriente Médio retornaram à Idade Média sob a febre do fundamentalismo religioso. ”. No caso do Camboja, não foi fanático religiosos e sim, fanáticos ateus ideológicos que acreditaram em um regime comunista que não faz sentido. No caso do oriente médio, sabemos que além de ser brigas milenares, ainda existem interesses muito mais além do que deixar essas nações na idade média.Aliás, essa analogia foi completamente infeliz, porque a idade média não foi de completa ignorância.

Ainda: “O populismo anticientífico ainda causa estragos nos países que apoiam fortemente a ciência e o livre pensamento, como os Estados Unidos. ”. Mas o próprio Estados Unidos não alimenta esse tipo de política para assegurar a sua hegemonia? Não acredito em teoria conspiratória, mas quem entende de política sabe que quem quer manter a hegemonia tem que causar brigas entre as nações. É o básico de Maquiavel e não pode ser ignorado. Aí ele continua: “Se as políticas falham, a ciência pode retroceder, ou mesmo desaparecer. ”. Essa parte já mostra a ideologização do texto, se não puxarmos o saco dos norte-americanos, se não somos adeptos de uma democracia sem nenhuma religião ou que não temos que fazer crítica nenhuma a ciência, para ela não desaparecer. A ciência depende do dinheiro do governo e depende da ideologia predominante, isso é fato, não podemos negar. A cura do câncer, a cura da AIDS (SIDA em português), a cura do ebola e outras doenças, não podem ser descobertas sem a indústria farmacêutica ganhar milhões, isso não dá para ser negado. As inúmeras pessoas com câncer são devido a testes nucleares que podem ter sido feitos aleatoriamente, então, acho uma perda de tempo ficar dizendo coisas obvias. Não é porque escrevo em um computador (que me custou caro, alias), que sento em uma cadeira de rodas feita com tecnologia desenvolvida com pesquisas cientificas (que custou caro também), que eu vou achar que a ciência é o caminho do esclarecimento e o bem-estar da humanidade. Não sou tão ingênuo como os iluministas. Acontece que a ciência é um instrumento, não é sagrada e nem um pouco, profana, só é um meio de descobertas importantes para a humanidade. Um texto desses só é um desserviço a ela.  
#ciência #deficiência #politica


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