sábado, 2 de setembro de 2017

Assédio jurídico



Resultado de imagem para assédio juridiço


“Entendo que a conduta pela qual o indiciado foi preso melhor se amolda à contravenção penal do artigo 61, Lei das Contravenções Penais [importunação ofensiva ao pudor], do que ao crime de estupro (artigo 213, Código Penal). ” elaborado pelo juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto

Por Amauri Nolasco Sanches Junior

Antropologicamente, somos animais culturais por pertencemos a espécie primata e como primatas – pesquisas mostram que macacos como chimpanzés, nossos primos de espécie, são uma espécie que tem uma certa cultura e ensina isso para sua prole – somos uma espécie que construímos uma cultura e essa cultura é passada para a prole o mesmo que acontece com algumas espécies de macacos. Mas existe uma diferença, somos uma espécie que sabemos (por isso “homo sapiens”, ou seja, “homem sábio), porque a nossa natureza é a busca do saber, como dizia o filósofo grego, Aristóteles. Aliás, em sua obra “Metafisica”, ele dará maior ênfase dentro da antropologia, pois a metafisica (meta to phisys) é um estudo do ser enquanto ser que seria, a filosofia última. Ora, se somos uma espécie que cria varias culturas, se somos uma espécie que cria instituições para passarmos essa cultura para a outra geração, ao mesmo tempo, somos uma espécie consciente da cultura que criamos e delas tiramos leis sociais. Essas leis sociais são para serem seguidas, pois, como espécie social, não podemos ter vários conflitos.

Mas quando criamos cultura, criamos uma espécie de moral (costumes) para montar a ética (caráter) de cada sujeito e esse sujeito, começa a agir conforme os costumes e conforme o caráter que é ensinado. Ai que está, podemos até fazer uma reflexão mais profunda, se somos primatas e dentro da espécie existem culturas passadas em geração em geração, as leis morais estão acima das leis éticas que moldam nosso caráter. A grosso modo, podemos pegar um exemplo que a maioria das mães ensinam os filhos, que não podem pegar nada de algum lugar e levar embora sem a permissão do dono. Isso seria uma lei moral, por se tratar de uma conduta social, que vai moldar na educação (que muitos pais jogam a responsabilidade na escola), o caráter da criança. Agora, quando esse “caráter” (ética) não foi ensinado direito na educação, ele vai roubar de um pequeno chocolate, até mesmo, um tênis e até ameaçando a vida daquele que o sujeito está roubando. Quando estamos falando de um homem “sem caráter”, estamos dizendo que ele não recebeu a educação ética dentro da sua casa e no caso de tratar pessoas – principalmente, mulheres – como objetos, são coisas que não entram dentro de uma moral, mesmo que essa moral vê o homem como dominante, tratar uma mulher como uma “coisa” é ou deveria ser errado.

Dentro da cultura vigente, há uma espécie de comunicação, essa comunicação pode ser de fala, como essa comunicação pode ser escrita. Primeiro, você tem que aprender como se conduzir para ser um ente social civilizado (não submisso), mas ao mesmo tempo, há regras dentro de uma conduta moral que não podem ser esquecidas, como mostra o filósofo Kant em uma bonita passagem no seu “Crítica da Razão Pura”: “Duas coisas me enchem o ânimo de admiração e respeito: o céu estrelado acima de mim e a lei moral que está em mim.”. Ou seja, para Kant, há uma “lei moral” dentro do ser humano que conduz a fazer sempre o que é certo, sem agredir ninguém ou ofender, porque uma sabedoria muito antiga sempre diz, que o meu direito termina quando a do outro começa. Claro, que dentro disso tudo ainda tem as escolhas que o ser humano pode fazer, pois, se os outros primatas fazem ou se submetem sem questionar, o ser humano como uma espécie consciente, pode questionar algumas coisas. Mas seguir é diferente do se submeter, a questão democrática pede também que haja uma regra de consenso social.

O que vimos no dia 29, terça-feira, é uma espécie de conduta não moral (imoral) que foge à regra da maioria das pessoas e reacende a velha questão do “machismo cultural” que temos no Brasil. Tratar a questão com tamanha “banalidade”, é perpetuar a ideia que a mulher foi feita só para dar prazer ao homem, que a mulher deve se submissa e aceitar que elas sejam traídas, judiadas, maltratadas e no mais, sejam constrangidas dentro de um transporte público. Sendo que no caso, o homem se “masturbou” na mulher como um ato de pura imoralidade, constrangendo sim a mulher a uma violência, porque ela se sentiu invadida. Um corpo de uma pessoa (persona), é um corpo particular, não é de todo mundo e, portanto, você escolhe como se portar diante desse fato inusitado. Ainda mais uma mulher e ainda mais num ato sexual que não é aprovado pela maioria, que se fez dentro de um ônibus ou ainda, existem nos transportes públicos em muitos lugares. Mas em países onde a ignorância é sempre uma regra por tratar a educação escolar como em último lugar, sempre vai haver esse tipo de violência. Aí entra em uma outra máxima do pensamento kantiano: “Age somente, segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal. ”. Uma interpretação jurídica entra nessa máxima, porque se trata de não uma interpretação a rigor da lei, mas uma interpretação reiterada dentro do “machismo cultural”.

Claro, existe uma liberdade irrestrita em interpretar qualquer coisa, mas a partir do momento que não se entende que o termo “constrangimento” só tem uma só interpretação, então, estamos mal de juristas. Como pode juristas dizerem que constrangimento num código penal seria diferente em falar em uma conversa qualquer? Segundo o Google o termo constranger é “transitivo direto” e quer dizer “tolher a liberdade a.”, ainda, o termo “tolher” quer dizer “impedimento”, sendo assim, você constranger uma pessoa é impedir a liberdade de reagir ou ficar com vergonha. Quando há um constrangimento, há uma “violência física ou moral exercida contra alguém; coação”, portanto, você ter o mesmo ato do sujeito que fez isso, é um ato de “coagir” a vítima num ato de violência, tanto física, como moral, que é sim, um crime (transgressão imputável da lei penal por dolo ou culpa, ação ou omissão; delito), e deveria sim, ser punido.

O que acontece é que interpretações são conceitos, que poderíamos definir como aquilo que a mente concebe ou entende uma ideia ou noção, representação geral e abstrata de uma realidade, também, conceitos são significados. O que acontece é que, o conceito é uma frase (juízo) que diz e o que a coisa é ou como funciona, enquanto o-que-é é a expressão de um predicado comum a todas as coisas da mesma espécie. Afinal, o ser humano é um ser que raciocina e a racionalidade, é o predicado comum a todos os seres humanos. Numa linguagem mais iluminista e kantiana, o conceito é um juízo sintético (relativo a ou que envolve síntese) a priori. Só a título de curiosidade, síntese é “método, processo ou operação que consiste em reunir elementos diferentes, concretos ou abstratos, e fundi-los num todo coerente”. E o “a priori” é o “afirmado ou estabelecido sem verificação; pressuposto” e é o “relativo a ou que resulta de raciocínio cujas definições foram dadas inicialmente”.


Então, como criamos os futuros “homens” desse pais? Homens são feitos de instintos ou de racionalidade? Ainda muito mais do que isso: conceitos podem ou não serem construídos a partir da educação? Dentro de qualquer coisa, vale uma única interpretação e é aquela que o modo semântico coloca como símbolo de cada termo, fora isso, é pura interpretação conceitual. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário