
“Entendo que
a conduta pela qual o indiciado foi preso melhor se amolda à contravenção
penal do artigo 61, Lei das Contravenções Penais [importunação ofensiva ao
pudor], do que ao crime de estupro (artigo 213, Código Penal). ” elaborado pelo
juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto
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Por Amauri Nolasco Sanches
Junior
Antropologicamente, somos animais culturais por pertencemos
a espécie primata e como primatas – pesquisas mostram que macacos como chimpanzés,
nossos primos de espécie, são uma espécie que tem uma certa cultura e ensina
isso para sua prole – somos uma espécie que construímos uma cultura e essa
cultura é passada para a prole o mesmo que acontece com algumas espécies de
macacos. Mas existe uma diferença, somos uma espécie que sabemos (por isso “homo
sapiens”, ou seja, “homem sábio), porque a nossa natureza é a busca do saber,
como dizia o filósofo grego, Aristóteles. Aliás, em sua obra “Metafisica”, ele dará
maior ênfase dentro da antropologia, pois a metafisica (meta to phisys) é um
estudo do ser enquanto ser que seria, a filosofia última. Ora, se somos uma espécie
que cria varias culturas, se somos uma espécie que cria instituições para
passarmos essa cultura para a outra geração, ao mesmo tempo, somos uma espécie consciente
da cultura que criamos e delas tiramos leis sociais. Essas leis sociais são para
serem seguidas, pois, como espécie social, não podemos ter vários conflitos.
Mas quando criamos cultura, criamos uma espécie de moral
(costumes) para montar a ética (caráter) de cada sujeito e esse sujeito, começa
a agir conforme os costumes e conforme o caráter que é ensinado. Ai que está,
podemos até fazer uma reflexão mais profunda, se somos primatas e dentro da espécie
existem culturas passadas em geração em geração, as leis morais estão acima das
leis éticas que moldam nosso caráter. A grosso modo, podemos pegar um exemplo
que a maioria das mães ensinam os filhos, que não podem pegar nada de algum
lugar e levar embora sem a permissão do dono. Isso seria uma lei moral, por se
tratar de uma conduta social, que vai moldar na educação (que muitos pais jogam
a responsabilidade na escola), o caráter da criança. Agora, quando esse “caráter”
(ética) não foi ensinado direito na educação, ele vai roubar de um pequeno
chocolate, até mesmo, um tênis e até ameaçando a vida daquele que o sujeito
está roubando. Quando estamos falando de um homem “sem caráter”, estamos
dizendo que ele não recebeu a educação ética dentro da sua casa e no caso de
tratar pessoas – principalmente, mulheres – como objetos, são coisas que não entram
dentro de uma moral, mesmo que essa moral vê o homem como dominante, tratar uma
mulher como uma “coisa” é ou deveria ser errado.
Dentro da cultura vigente, há uma espécie de comunicação, essa
comunicação pode ser de fala, como essa comunicação pode ser escrita. Primeiro,
você tem que aprender como se conduzir para ser um ente social civilizado (não submisso),
mas ao mesmo tempo, há regras dentro de uma conduta moral que não podem ser esquecidas,
como mostra o filósofo Kant em uma bonita passagem no seu “Crítica da Razão Pura”:
“Duas coisas me enchem o ânimo de admiração e respeito: o céu estrelado acima
de mim e a lei moral que está em mim.”. Ou seja, para Kant, há uma “lei moral”
dentro do ser humano que conduz a fazer sempre o que é certo, sem agredir ninguém
ou ofender, porque uma sabedoria muito antiga sempre diz, que o meu direito
termina quando a do outro começa. Claro, que dentro disso tudo ainda tem as
escolhas que o ser humano pode fazer, pois, se os outros primatas fazem ou se
submetem sem questionar, o ser humano como uma espécie consciente, pode
questionar algumas coisas. Mas seguir é diferente do se submeter, a questão democrática
pede também que haja uma regra de consenso social.
O que vimos no dia 29, terça-feira, é uma espécie de conduta
não moral (imoral) que foge à regra da maioria das pessoas e reacende a velha questão
do “machismo cultural” que temos no Brasil. Tratar a questão com tamanha “banalidade”,
é perpetuar a ideia que a mulher foi feita só para dar prazer ao homem, que a
mulher deve se submissa e aceitar que elas sejam traídas, judiadas, maltratadas
e no mais, sejam constrangidas dentro de um transporte público. Sendo que no
caso, o homem se “masturbou” na mulher como um ato de pura imoralidade,
constrangendo sim a mulher a uma violência, porque ela se sentiu invadida. Um corpo
de uma pessoa (persona), é um corpo particular, não é de todo mundo e,
portanto, você escolhe como se portar diante desse fato inusitado. Ainda mais
uma mulher e ainda mais num ato sexual que não é aprovado pela maioria, que se
fez dentro de um ônibus ou ainda, existem nos transportes públicos em muitos
lugares. Mas em países onde a ignorância é sempre uma regra por tratar a educação
escolar como em último lugar, sempre vai haver esse tipo de violência. Aí entra
em uma outra máxima do pensamento kantiano: “Age somente, segundo uma máxima
tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal. ”. Uma interpretação
jurídica entra nessa máxima, porque se trata de não uma interpretação a rigor
da lei, mas uma interpretação reiterada dentro do “machismo cultural”.
Claro, existe uma liberdade irrestrita em interpretar
qualquer coisa, mas a partir do momento que não se entende que o termo “constrangimento”
só tem uma só interpretação, então, estamos mal de juristas. Como pode juristas
dizerem que constrangimento num código penal seria diferente em falar em uma
conversa qualquer? Segundo o Google o termo constranger é “transitivo direto” e
quer dizer “tolher a liberdade a.”, ainda, o termo “tolher” quer dizer “impedimento”,
sendo assim, você constranger uma pessoa é impedir a liberdade de reagir ou
ficar com vergonha. Quando há um constrangimento, há uma “violência física ou
moral exercida contra alguém; coação”, portanto, você ter o mesmo ato do
sujeito que fez isso, é um ato de “coagir” a vítima num ato de violência, tanto
física, como moral, que é sim, um crime (transgressão imputável da lei penal
por dolo ou culpa, ação ou omissão; delito), e deveria sim, ser punido.
O que acontece é que interpretações são conceitos, que poderíamos
definir como aquilo que a mente concebe ou entende uma ideia ou noção, representação
geral e abstrata de uma realidade, também, conceitos são significados. O que
acontece é que, o conceito é uma frase (juízo) que diz e o que a coisa é ou
como funciona, enquanto o-que-é é a expressão de um predicado comum a todas as
coisas da mesma espécie. Afinal, o ser humano é um ser que raciocina e a
racionalidade, é o predicado comum a todos os seres humanos. Numa linguagem
mais iluminista e kantiana, o conceito é um juízo sintético (relativo a ou que
envolve síntese) a priori. Só a título de curiosidade, síntese é “método,
processo ou operação que consiste em reunir elementos diferentes, concretos ou
abstratos, e fundi-los num todo coerente”. E o “a priori” é o “afirmado ou
estabelecido sem verificação; pressuposto” e é o “relativo a ou que resulta de
raciocínio cujas definições foram dadas inicialmente”.
Então, como criamos os futuros “homens” desse pais? Homens são
feitos de instintos ou de racionalidade? Ainda muito mais do que isso:
conceitos podem ou não serem construídos a partir da educação? Dentro de
qualquer coisa, vale uma única interpretação e é aquela que o modo semântico coloca
como símbolo de cada termo, fora isso, é pura interpretação conceitual.
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